Ghost Interview

Ela cria as futuras CEOs e COOs

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Por muito tempo, falar de startups – as visionárias, as bilionárias e as inovadoras – era falar dos seus CEOs: normalmente jovens e homens. De uns anos para cá, essa cara está mudando. E uma das responsáveis por essa transformação é Reshma Saujani, CEO e criadora do movimento Girls Who Code. Como estamos numa onda de falar de mulheres que fazem a diferença no mercado de tecnologia, Reshma veio para o centro do Ghost Interview da semana.

Depois de se candidatar ao congresso dos EUA, tentar ingressar em uma faculdade de Direito renomada e levar alguns não da vida, Reshma deu a volta por cima e entendeu uma restrição que não estava apenas nela mas em todas as meninas. Tudo isso levou a criação do livro Brave, Not Perfect e ao seu movimento Girls Who Code. Como fazer com que garotas se interessem por programação antes de começarem suas carreiras? Como contratar mulheres se elas já foram desencorajadas a buscar tecnologia e engenharia quando estavam na escola? Esse é o propósito de Reshma: quebrar esse gap. Para a gente, fica a história de alguém que não só percebeu que havia um problema, como também agiu diretamente para reverter a situação!

Reshma, você começou a Girls who Code em 2012, com o foco em diminuir o gap que existia na formação de garotas no mercado de tecnologia. No entanto, de lá para cá, você esbarrou com algumas outras questões do Vale do Silício, não é?!

O Girls Who Code alcançou mais de 450.000 meninas desde 2012. Metade das meninas que atendemos são negras, latinas e de baixa renda. Aprendemos nos últimos anos que não é apenas um problema fechado. Quando comecei o Girls Who Code, as pessoas me disseram: “Quero contratar mais engenheiras e mais engenheiras negras. Não consigo encontrá-las. ” Então, pensei: “Vou ensinar o máximo que puder e então você vai contratá-las”. Mas mesmo depois de fazer isso, descobrimos que o processo de contratação ainda estava quebrado. Gostamos de acreditar que o Vale do Silício é uma meritocracia, mas não é. É difícil abrir mão do poder. Isso significa que temos que trabalhar mais para erradicar o sexismo e o racismo dentro das empresas para dar uma chance às mulheres. O outro problema que identificamos é que quase 50% das mulheres deixam seus empregos de tecnologia quando completam 35 anos porque não veem outras pessoas que se pareçam com elas na sala. E você não pode querer ser o que você não pode ver no dia a dia. Temos que criar estereótipos em torno de quem programa e quem pode programar. Temos que dar às mulheres mais modelos neste setor. Temos que dizer às meninas que aprender a programar é aprender a resolver problemas. Sempre digo que quando você ensina uma garota a programar, você resolve COVID, câncer e a mudança climática. Porque a maioria das garotas que eu conheço são super-heroínas, e aprender a programar e aprender tecnologia se torna uma ferramenta mais poderosa em sua bagagem para conseguir trazer as mudanças para o mundo.

(Entrevista ao The Burke Foundation publicada em 5 de maio de 2021)

E, além da parte educacional, como estão buscando mudar esse problema?

O negócio é que o que não pode ser medido também não pode ser gerenciado. E não é incomum que em iniciativas como a nossa, não haja uma área de “Customer Success” que analise qual a porcentagem de pessoas não brancas que atingimos, qual a porcentagem de mulheres que estão chegando no final dos cursos. E a gente analisa tudo isso.

(…)

Nós também estamos levantando dados sobre como está a paridade de gênero nas empresas. Porque, como falei, já ensinamos muitas garotas e eu comecei a ficar muito frustrada quando segui escutando que o problema estava no pipeline. Porque não é verdade.

(Entrevista ao podcast Recode/Decode publicada em 3 de junho de 2019)

Tem um ponto também que o mundo da tecnologia nos ensinou: saber programar não é tudo, é preciso saber empreender. O que você acha sobre isso?

A nossa ideia é mesmo inspirar as garotas a serem empreendedoras e pensarem de maneira empreendedora, o que significa que também ensinamos que elas devem saber apresentar as suas ideias.

Todo homem tem um slide que fala da receita de um bilhão de dólares em seus pitchs de negócio, mesmo se é a apresentação de um negócio de sorvetes. A maioria das mulheres não vão chegar e dizer que suas empresas serão uma companhia de um bilhão de dólares porque nós acreditamos que temos que provar cada pequeno número. Então, ensinar as garotas a se apresentar também é ensiná-las a apresentar o que elas acreditam, as suas ambições. E também ensinar a trabalhar num time para chegar nesse objetivo.

(Entrevista ao podcast Recode/Decode publicada em 3 de junho de 2019)

Mas, como as empresas podem ajudar a mudar esse cenário?!

Dar apoio às mulheres justamente para que elas tomem riscos nos negócios. E não penalizá-las por eventuais falhas nesse processo. E isso passa por também encorajar os homens a dar mais oportunidades às suas funcionárias para que assumam desafios. Festejamos e amamos histórias de empresários que tiveram três startups malsucedidas e deram a volta por cima. Com isso, nós permitimos a eles se redefinirem. Mas, de novo, nossa sociedade não tem a mesma postura com profissionais do sexo feminino. A sensação é que, se elas cometem um erro, jamais têm uma nova chance. Precisamos mudar essa narrativa e celebrar as mulheres por suas falhas também.

(Entrevista à revista Você S.A. publicada em 27 de janeiro de 2020)

Existe também o ponto do RH, de como algumas empresas recrutam talentos. O que deveria mudar para que as Big Techs, e empresas de tecnologia em geral, começassem a chamar mais garotas para atuar em áreas de tecnologia?

Olha, uma das coisas que eu mais gostaria é que as empresas de tecnologia pensassem em recrutar talentos da mesma forma que as universidades recrutam para seus times de futebol. Eles mandam olheiros para o país todo, eles vão lá buscar os melhores jogadores. Acredite em mim, se o Google realmente quisesse chegar na igualdade de gêneros em cinco anos, eles conseguiriam dar um jeito de fazer isso acontecer.

(Entrevista ao podcast Recode/Decode publicada em 3 de junho de 2019)

Algumas empresas acabaram também dando bastante apoio para a Girls who Code desde o começo, com apoio, e também dando peso para os cursos, não é?!

O Twitter foi um dos nossos primeiros parceiros, e não foi uma mulher que nos ajudou lá – como aconteceu em outras empresas – foi Dick Costello [ex-CEO do Twitter] e Jack Dorsey [um dos fundadores]. Os homens são uma grande parte desse movimento, não apenas da perspectiva do CEO, mas também da perspectiva do pai.

(Entrevista ao Market Place publicada em 18 de outubro de 2017)

Em nossos três primeiros anos de operação, alcançamos mais de 2.000 meninas, muitas das quais vão para instituições como Harvard, Columbia, MIT, Stanford, Brown, Princeton, Brandeis e UC Berkeley e estagiam em empresas de tecnologia eminentes como Gilt Groupe, AOL, Andreessen Horowitz e Microsoft. Cada garota que inspiramos atinge seu maior potencial por meio de nosso programa e 100% das ex-alunas que buscam ciência da computação na faculdade – muitas das quais com bolsas de estudo da Bloomberg e do Google – apontaram o Girls Who Code como um fator importante em sua decisão de fazê-lo. Quase 90% de nossas ex-alunas afirmaram que, se não fosse pelo Girls Who Code, elas poderiam não ter encontrado sua verdadeira vocação ou percebido do que eram capazes. Nos próximos anos, esperamos ajudar a próxima geração de mulheres a inovar, pensar fora da caixa.

(Entrevista ao Amy Smart Girls publicada em 28 de maio de 2015)

Mas tem um ponto aí que, de fato, ainda existe um gap lá na parte da formação de mulheres no mercado da tecnologia, apesar dos esforços de ações como a Girls who Code ou da brasileira Programaria.

Então, basicamente, nos últimos 40 anos, tivemos esse declínio dramático de mulheres na área de tecnologia. Se você entrasse em uma sala de aula de ciência da computação na década de 1980, quase 37% seriam mulheres, e hoje esse número é inferior a 18%. É meio louco, certo? Em uma época em que a tecnologia faz parte de tudo o que fazemos e a automação está mudando nosso mundo a cada minuto, estamos deixando as meninas para trás. (Entrevista ao Market Place publicada em 18 de outubro de 2017)

Falando em mercado de tecnologia e de programação, escutamos muito que aprender a programar não é o bastante quando a inteligência artificial tomar o controle (inclusive falamos disso em um outro Ghost Interview, com Yuval Noah Harari). Qual é o maior enigma ético que enfrentamos quando se trata de IA?

Conforme os sistemas de IA se tornam mais inteligentes, elas começam a assumir tarefas cada vez mais complexas. Quanto mais complexa for a tarefa, maiores serão as apostas. Precisamos de pessoas de diversas origens nas equipes de IA que estejam preparadas para lidar com esses desafios e questões éticas.

Uma de nossas alunas recentemente me lembrou que um dos usos mais problemáticos de dispositivos inteligentes como Alexa ou Google Home é por perpetradores de violência doméstica para aumentar o volume, bloquear parceiros etc. É improvável que qualquer membro dessas equipes de desenvolvimento sofreram violência doméstica ou até mesmo pensaram sobre isso, então eles não podiam prever que isso poderia ser usado dessa forma. Isso é extremamente problemático e prejudicial.

[…]

Acho que todos os setores poderiam se beneficiar com a IA. Feita da maneira certa, a IA pode transformar nosso mundo para melhor, desde tornar as práticas de contratação mais equitativas à prevenção de epidemias. A IA tornará nossa tomada de decisão mais fácil.

(Entrevista ao Experience publicada em 4 de março de 2020)

Agora conta para a gente o que você já viu rolar lá no Girls who Code?

Todas as nossas aulas terminam essencialmente com um projeto de impacto, onde encorajamos nossas meninas a construir algo, entrar em uma equipe e criar algo. Uma das minhas alunas construiu um microchip, onde você o coloca em uma arma e ele avisa quando dispara em uma área como uma escola. Tivemos também a mulher mais jovem a obter uma patente na Universidade da Pensilvânia.

Temos alunas que criaram um algoritmo para ajudar a detectar se um câncer é benigno ou maligno. Tive uma aluna que construiu uma ferramenta chamada Rethink, que se você está prestes a dizer algo negativo em um texto de grupo, a ferramenta pergunta: “Você deveria dizer isso?” Ela participou do Shark Tank.

(Entrevista ao podcast Recode/Decode publicada em 3 de junho de 2019)

O que o setor de tecnologia ganha trazendo para o mercado cientistas da computação mulheres?

Se você perguntar para uma garota o que ela quer fazer quando crescer, provavelmente ela vai dizer que quer resolver algum problema. Algo relacionado à educação, à mudança climática e até à cura do câncer. Elas têm muita vontade de mudar o mundo. A presença de mulheres nesse setor pode conectar muitas tecnologias a transformações reais.

(Entrevista ao Estadão publicada em 21 de setembro de 2019)

Durante a sua trajetória, não só na Girls who Code, mas na sua vida profissional, você teve que enfrentar bastante o medo de falhar. Como você percebeu que ensinar programação para as garotas não era só uma questão de ensinar tecnologia?

Descobri que as ensinando a programar, estava educando-as para serem corajosas. Programação é um processo sem fim de tentativa e erro, de tentar colocar o comando certo no lugar certo. Às vezes, apenas um ponto e vírgula é a diferença entre o sucesso e o fracasso. O código falha e é destruído em seguida. Geralmente, precisa haver muitas tentativas até aquele momento mágico em que aquilo que tentamos construir ganha vida. Isso exige perseverança. Isso exige imperfeição. Vemos imediatamente em nosso programa que as meninas têm medo de não fazer isso direito, de não serem perfeitas.

(Apresentação no TED Talk em 7 de março de 2016)

Ao ensinar as garotas a programar, não estamos apenas preparando-as para entrar na força de trabalho – nós estamos preparando as meninas para liderar essa força de trabalho.

(Entrevista ao NYT publicada em 12 de fevereiro de 2019 )

Acontece que quando você sente o gosto de ser corajoso, é difícil parar. É uma espécie de pressa. E foi assim que comecei o Girls Who Code. Durante minha primeira campanha, visitei várias escolas públicas de Nova York, onde vi laboratórios de informática cheios de meninos aprendendo a programar. Nenhuma garota à vista. Isso me irritou e eu queria fazer algo a respeito. Mas desta vez, não pedi permissão a ninguém. Não esperei até ter a credencial perfeita. Eu nem me preocupei em aprender a programar. Eu apenas fui em frente. Liguei para um amigo que me deu um espaço de escritório e, naquele verão, trouxemos 20 garotas da cidade de Nova York juntas por sete semanas e as ensinamos a programar. Cinco anos depois, ensinamos 40.000 meninas em todos os 50 estados – efetivamente quadruplicando o estoque de talentos.

(Entrevista ao Quartz At Work publicada em 6 de fevereiro de 2018)

Quanto você acha que a igualdade de gênero avançaria se fôssemos mais corajosas?

Isso mudaria tudo. Nós toleramos uma série de coisas diariamente só porque temos medo de dizer “não”. Nós nos sentamos em reuniões e não levantamos a mão para fazer aquela pergunta que o homem ao lado fará — e, logo depois, será considerado brilhante por isso. Vemos outras pessoas sendo promovidas, arriscando e aproveitando oportunidades nas mesmíssimas atividades que sabemos que poderíamos desempenhar bem, mas nos falta coragem.

Todas essas auto mini agressões diárias que enfrentamos por causa do nosso perfeccionismo nos matam pouco a pouco por dentro. Então, eu acho que, quando você começa a viver uma vida mais imperfeita — sem tirar 500 selfies antes de postar uma única foto na rede social ou sem ficar rolando a tela do celular e olhando para outras pessoas desejando que sua vida fosse diferente do que é —, tem chance de ser mais feliz. Isso porque consegue se desprender dos padrões. Isso dá maior clareza sobre o que se deve fazer, sobre o que se deseja fazer e sobre o que é, de fato, importante fazer.

(Entrevista à revista Você S.A. publicada em 27 de janeiro de 2020)

Por fim, uma pergunta: quem você gostaria de ter como aliada na mídia?

Oh meu Deus, estou em um esforço descarado para perseguir Shonda Rhimes para fazer seu próximo show em uma programadora. Ouça, é tudo uma questão de cultura. Isso é tudo uma questão de cultura.

(Entrevista ao podcast Recode/Decode publicada em 3 de junho de 2019)

Então estamos alinhados, porque faz duas semanas que a Shonda esteve aqui no Ghost!

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