Em 1998, James C. Hunter escreveu um livro, que ficou conhecido como uma das bíblias da liderança, chamado “O Monge e o Executivo – Uma história sobre a essência da liderança”. Ao longo de diversos anos após o lançamento, o livro foi leitura obrigatória para todos que estavam se tornando líderes, ou que já eram líderes, mas queriam entender mais sobre um novo conceito de liderança que estava surgindo, pautado na diferença entre Poder e Autoridade.
Fazendo uma analogia dos líderes com o papel das marcas nos dias de hoje, acreditamos que uma releitura (até literalmente falando) do livro de Hunter pode nos trazer uma provocação interessante sobre como as marcas, assim como os publicitários e marqueteiros em nome dela, podem aproveitar conceitos do livro para suas ações e projetos.
Poder vs Autoridade
A tese do livro de Hunter passa pelo conceito da diferença entre se ter poder e se ter autoridade. O Poder pode ser comprado, ou até dado (bem como tomado), mas a autoridade deve ser construída, e justamente por isso, é mais reconhecida pelos liderados ou seguidores e mais resiliente na linha do tempo. Em uma empresa, uma pessoa pode assumir um cargo em uma alta posição hierárquica por diversos fatores não necessariamente ligados às suas habilidades e competências, e com isso não ter o reconhecimento dos colaboradores subordinados. Ou seja, a pessoa tem o poder do cargo, mas não necessariamente a autoridade, e a capacidade de influenciar pessoas é muito maior quando se tem a autoridade do que quando se tem, apenas, o poder. Isso vale nas empresas, na política, na religião, nos esportes e até mesmo nas relações pessoais.
O Monge e o Marqueteiro
O maior desafio, e oportunidade, para grande parte das marcas de hoje em dia é o marketing de influência, seja atuando através dos influenciadores, seja criando sua própria forma de influenciar. E aí é inevitável não voltar aos conceitos de Hunter. Isso porque muitas vezes as marcas querem buscar a influência pelo poder, e não pela autoridade. Não precisamos nem dizer que dinheiro é poder, e vice versa, mas dinheiro não é autoridade, assim como poder não é autoridade… E aí surge um grande desafio na criação e gestão das marcas. No mundo da mídia “tradicional”, seja ela digital ou offline, a capacidade de investimento é sim poder, pois com maior alcance e frequência (considerando uma campanha minimamente efetiva), qualquer profissional de mídia sabe que o resultado deve vir na proporção. Mas, para construção de autoridade, essa regra não é necessariamente válida, muitas vezes sendo até inversa, com o excesso de capital podendo até jogar contra… pois a tentativa de alcançar o poder antes de se ter a autoridade pode fazer o tiro sair pela culatra. A maior autoridade na maioria das vezes não é reconhecida pela maior riqueza baseada em recursos financeiros, e nisso os monges são um bom exemplo, inclusive Simeão, para quem leu o livro 🙂
Um Monge no Big Brother
Mas um empurrãozinho não é importante? Sim. Pode ser… Mas, como diz o ditado, “Sorte é quando o preparo encontra a oportunidade”. Ou seja, de nada adianta a sorte de receber o poder sem ter o preparo para se tornar uma autoridade. Quer um exemplo prático melhor do que o Big Brother? Algumas pessoas saem de lá diretamente para o desconhecido, outras criam ali a oportunidade de se tornar uma audiência com maior relevância do que o próprio programa que as lançou ao focarem em verticais e conteúdos específicos. E isso se aplica também às marcas! O McDonald´s por exemplo, potencializou e potencializa seu patrocínio com o Big Brother através das ações real time e provocações nas redes sociais que geram uma conexão direta e maior com sua audiência. Ou seja, a marca também aproveita a oportunidade de criar uma autoridade com a audiência e programa com seus canais orgânicos.
“Pode olha ai, seeeexta-feira, mei dia”
Mas ter autoridade está relacionado a ser um profundo estudioso de algum assunto? Isso depende muito do segmento e assunto e não deve ser tomado como verdade antes da hora. No B2B, ou assuntos específicos, muitas vezes a autoridade é pautada em estudos, pesquisas, investimento em tecnologia e diversos conhecimentos técnicos. Em outros casos, até o humor pode ser pauta para criar autoridade. Um assunto que é tendência em alguns lugares, e empresas, mundo afora é a diminuição da carga horária de trabalho, e já falamos disso por aqui. Trata-se de um assunto que pode sim ser explorado de forma técnica, baseada em estudos comportamentais e análises de impacto e retorno de uma carga horária menor e ao mesmo tempo mais efetiva para as empresas. Mas no Brasil existe um produtor de conteúdo, e influenciador digital, que está criando autoridade neste assunto de uma forma bem mais leve e divertida, postando vídeos em seus stories, toda sexta-feira, às 12:00,, dizendo que já são “mei dia”, e que a partir daquele horário não adianta se preocupar e que já se deve começar a aproveitar o fim de semana. Esse é o Henrique Maderite, que já possui mais de 800 mil seguidores que se inspiram em seu estilo de vida e trabalho. O conceito pegou tanto que hoje em dia ele tem feito ações e palestras em empresas mostrando como se pode buscar uma maior eficiência no trabalho durante a semana para poder “sextar” mais cedo.
Uma doação diária
E para construir autoridade é preciso se doar. O que muito vemos como “ponta do iceberg” não mostra todo o caminho que é exigido para se construir autoridade, seja de uma profissional ou de uma marca. O processo de comunicação, conexão e até mesmo de reconhecimento é um caminho que exige tempo, qualidade (seja qual conteúdo for) e posicionamento. As marcas e profissionais que não entendem esse caminho diário acabam se perdendo em suas verbas e sua pressa afobada por resultados. O termo “comunidade” nunca foi tão falado e mencionado como estratégia fundamental das marcas na era da relevância, e não é apenas através de grandes verbas que se constrói comunidades fortes, é através de diálogo, propósito e conexão. Um grande exemplo disso é a atuação dos streamers, que através das transmissões e interações diárias constroem suas próprias narrativas e uma base de fãs fiéis ao longo do tempo. A construção da autoridade de grandes streamers exigiu tempo, esforço, doação diária de conteúdo e interação. Algo que já comentamos aqui no Morse 🙂
O Monge e a Netflix
Já que começamos o Morse de hoje falando de um livro, resolvemos incluir um outro na conversa, do Reed Hastings, CEO da Netflix. No livro “A Regra e não ter regras“, Reed conta histórias da Netflix para abordar questões relacionadas à liderança de pessoas que pode nos trazer uma outra luz sobre nossa pauta de autoridade no mundo das marcas e capacidade de influência. O livro traz uma passagem interessante sobre “Lead with Context not Control“, que na tradução literal seria “liderar por contexto e não por controle”. Tentando simplificar aqui todo conteúdo e as palavras de Reed, trata-se da diferença entre liderar dizendo o que as pessoas devem fazer ao invés de liderar trazendo para as pessoas o contexto, com informações, dados e aprendizados regressos, sejam positivos ou negativos, para ajudar a fundamentar as decisões e atitudes das próprias pessoas. O livro traz diversos exemplos, inclusive de quando uma ou outra forma de liderança faz mais sentido, sendo que a liderança por Controle, que pode nos parecer inadequada nos novos conceitos de gestão, pode ser fazer necessária em setores ou momentos de negócios específicos. Mas que a liderança com foco em inovação acaba sendo mais efetiva via contexto
Marketing de Contexto ou de Controle?
Imagine você chegando no escritório e sendo apresentado para sua nova gestora: “Bom dia, eu sou a nova melhor Vice Presidente de Operações do Mundo”. Ou então, em uma reunião comercial, o vendedor se apresenta como: “Prazer, sou o Pedro, o mais eficiente vendedor de SaaS da América Latina”. Além de soar completamente estranho e minimamente arrogante, você poderia ser um pouco mais pragmático e se perguntar, ou perguntar para a pessoa, “mas quem disse que você é o melhor ou mais eficiente”? Ou seja, de onde vem o poder de dizer isso. Por outro lado, essas pessoas poderiam sim ser o que estão lhe dizendo, mas a autoridade construída, que lhes colocaram naquela posição, para ser legítima, e gerar poder de influência, deveria ser passada de outras formas. As hipóteses aqui levantadas podem soar estranhas ao falarmos de pessoas e profissionais, mas vem sendo muito utilizadas por marcas… Muitas vezes tentando impor o poder, seja do tamanho, da eficiência ou o que for, antes mesmo de ter a autoridade para sustentar seu argumento.
Call to action!?!?
Se pensarmos de forma isolada quer algo mais arrogante, e fora dos contextos de liderança que trouxemos aqui, do que fazer algo já direcionando o que alguém deve fazer depois? Tipo, faça exatamente o que eu quero, na hora que eu quero e seguindo o fluxo que eu determinei… Sim, isso é o famoso Call to Action seguindo por um funil ou régua pré determinada. Ao longo deste texto trouxemos os aprendizados de Hunter, nos mostrando a diferença entre poder e autoridade, e que tentar impor o poder, ou seja, mandar as pessoas fazerem algo, é diferente de ter autoridade para que elas sigam sua recomendação. Já no conceito de Reed, de liderar por contexto, apresentar o cenário, as variáveis, e as decisões, são a melhor forma de liderar quando se busca a inovação e por consequência influenciar pessoas a fazer algo novo. Dito isso, se perante colaboradores, que são contratados e remunerados pelas empresas, atuar por poder e controle não se mostram como algo efetivo, porque com clientes e consumidores, que possuem liberdade de escolha e nenhuma subordinação hierárquica com as marcas isso deveria funcionar? Talvez seja esse o caminho que alguns influenciadores e streamers, assim como marcas nesse novo contexto, já aprenderam e encontraram, que o novo “call to action” é na verdade o “feed with context”, fazendo com que a construção da sua autoridade se torne a capacidade de gerar influência de comportamento, seja de compra ou qualquer outra coisa,, que alguns vão continuar chamando de “call to action” na tentativa de comprar poder…