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Empresas Enxutas

Na nova economia digital, tamanho não é documento.

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Esta semana está acontecendo em Austin, Texas, EUA, o SXSW, ou South by Southwest, um dos principais eventos globais de tecnologia, inovação e cultura. Em sua palestra no evento, Peter Deng, VP of Consumer & Enterprise Product da OpenAI, comentou sobre como o avanço das A.I.s irá aumentar a produtividade no trabalho e criar empresas cada vez mais enxutas.

A tendência não é nova, Eric Ries, que tivemos o prazer de conhecer em um evento em São Francisco, já vem abordando o conceito em seu livro “Lean Startup” falando sobre como as startups que vivem sob condições incertas precisam priorizar metodologias que lhe permitam otimizar processos, evitando o desperdício de tempo e recursos e tendo agilidade para mudar de direção quando necessário. Ries aborda o conceito de “enxuto” de forma mais abrangente, não apenas sobre a perspectiva da quantidade de colaboradores dentro de uma empresa, mas muitas de suas passagens no livro tem relação com tecnologia, metodologias e força de trabalho.

Voltando para os dias de hoje, o avanço de A.I., principalmente a generativa, fez com que Peter Deng colocasse novos holofotes sobre o tema. Porém, apesar de parecer óbvio que o atual momento que estamos vivendo, com o avanço de tecnologias que podem substituir o trabalho humano, vai criar empresas mais enxutas pelo simples fato de que algumas funções serão otimizadas ou totalmente substituídas pela tecnologia, existem outros pontos à serem compreendidos neste efeito borboleta no qual a taxa de juros e o conceito histórico de feudalismo estão impactando a relação entre profissionais e empresas.

Tamanho não é documento

Em um passado pouco distante, empreendedores e até colaboradores, se enchiam de orgulho ao dizer o número de pessoas presentes em suas respectivas empresas. No mundo das startups então, no qual passar a arrebentação e virar uma “corporation” se mostrava como o grande objetivo, falar em centenas ou mesmo milhares de profissionais atuando sobre o mesmo CNPJ era quase que sozinho um indicador de sucesso. Quantas palestras ou entrevistas não foram pautas em frases como “começamos com cerca de 5 pessoas e hoje somos centenas…”. Alguns fundos de investimento que focam em empresas maiores, o chamado middle ou late stage, por vezes tinham como linha de corte, além do faturamento da empresa, o número de pessoas. Quantos cadastros você já não preencheu nos quais era solicitado o número de pessoas em sua empresa, informação muitas vezes utilizada para inferir o tamanho e estágio do seu negócio. Porém, por diversos motivos, esse cenário que já vinha mudando, agora está ainda mais acelerado. Empresas como a própria OpenAI são um exemplo, pois em 2019, quando recebeu seu primeiro investimento de U$ 1Bi da Microsoft, a empresa estava chegando ao seus primeiros 100 colaboradores. Podemos até voltar um pouco mais no tempo e pegar a época quando o Facebook adquiriu o Whatsapp, em 2014, por U$ 19bi, e a empresa tinha apenas 55 colaboradores.

Ultra especialização e freelarização

Outro fenômeno que tem transformado as empresas em operações cada vez mais enxutas é a ultra especialização. No passado, com exceção a empresas específicas como laboratórios médicos etc, áreas dentro de uma empresa eram formadas por generalistas que atuavam junto a alguns especialistas que teriam em média até um layer de profundidade de especialização. Considere a área de Marketing por exemplo, Vice Presidência, Diretoria e Gerência eram compostas em geral por generalistas, que possuíam sob sua gestão alguns especialistas em atividades como Trade Marketing, Comunicação, PR, Mídia etc. Nos dias de hoje, essas funções se ramificam em mais 2, 3 ou até 5 novos layers de profundidade de conhecimento. A Gestão da Mídia se ramifica em Branding e Performance, a Performance se ramifica em Mídia Orgânica (SEO) e Mídia Paga, que por sua vez se ramifica em Aquisição por cada tipo de Canal etc. E, com todas essas ramificações, diversos profissionais começaram a se especializar nos assuntos relacionados. Para algumas empresas, não ter profissionais especializados em cada ramificação de atividade que envolve o seu negócio pode fazer com que ela não seja competitiva o suficiente versus seus concorrentes, por outro lado, nem sempre existe trabalho suficiente para profissionais ultra especialistas atuarem numa empresa em uma jornada full de trabalho. Esse cenário gerou o conceito de freelarização, no qual empresas preferem ter ultra especialistas atuando part-time em projetos específicos para que possam ser cada vez mais competitivas nestas disciplinas. Para os profissionais isso também se mostra vantajoso já que passam a ter o seu trabalho, e sua hora de trabalho, cada vez mais valorizada.

Taxa de Juros, Custo de Oportunidade e menos oba oba

Outro ponto que vem colocando pressão sobre as empresas é a escassez de recursos e a pressão por resultados. Num passado de taxas baixas de juros o acesso a recursos era muito mais fácil e o apetite por risco era maior. Levantar recursos para empresas ainda sem atingir o break-even, e até mesmo sem ter este cenário num horizonte próximo, era comum. Após algumas crises setoriais, e com a retomada da taxa de juros, levantar capital se torna cada vez mais difícil para empresas que não possuem EBITDA positivo. E essa pressão não fica apenas no âmbito dos investimentos especulativos de fundos de investimentos e empresas de venture capital, ela se reflete também em aquisições estratégicas realizadas por outras empresas que passam a ter mais cuidado ao adquirir empresas que não possuam resultado positivo e possam, por consequência, prejudicar o resultado de quem fizer a potencial aquisição. Com menos dinheiro disponível e mais pressão por resultados, enxugar se torna uma necessidade cotidiana. E vale lembrar que, grande parte das empresas que se auto intitulam “tech“, são muitas vezes empresas de serviços que começaram a incluir um layer de tecnologia em suas ofertas, algo super positivo pensando em inovação e evolução destas empresas, mas por outro lado acabam enfrentando um grande desafio de entregar resultados de empresas tech quando por vezes ainda são prestadores de serviços e, nessa migração, terão sim que enxugar mais do que a média.

Technofeudalism

Você já ouviu falar em Tecnofeudalismo? O economista, ex-ministro das Finanças da Grécia e autor Yanis Varoufakis em seu livro Technofeudalism aborda o assunto sobre como, principalmente após a pandemia, as big techs passaram a dominar o novo ecossistema da economia global, sendo proprietárias dos “novos feudos” que servem como base para negócios da nova economia digital. Neste novo modelo, as grandes empresas de tecnologia passam a dominar os “territórios”, que nos dias de hoje são dados, infraestrutura, audiência, ecossistemas e tecnologia, disponibilizando estes recursos como a base de empresas e negócios em uma relação comercial desproporcional com uma grande dependência por parte das empresas que acabam tendo pouca margem de manobra e negociação e por vezes acabam sendo espremidas. Yanis é considerado radical e exagerado por uns, e assertivo em seus pontos por outros, porém, tirando o peso de quem acaba sendo mais energético em seus pontos e palavras, questões recentes como a briga de aplicativos com as App Stores, com repercussões recentes como no caso da Apple App Store na União Européia, que deve que permitir o download de apps por fora da loja, e no caso com o Spotify, no qual a Apple foi multada em 1,8 bilhão de euros na União Europeia, mostram que esse tipo de contexto ainda deve seguir e dar espaço para novos empurrões no conceito de empresas enxutas.

Dropshipping, Micro SaaS e A.I.

Os pontos levantados por Yanis possuem duas formas de serem encarados e é justamente nesse contexto que se pautam as Big Techs. Se por um lado as big techs são criticadas por criarem seus feudos, utilizando seu poder de escala e controle de ecossistemas, para definir as regras da nova economia, por outro lado existe o movimento que permite que empresas e empreendedores possam iniciar produtos e empresas com baixo investimento, estimulando o empreendedorismo e criação de negócios. Para uns esse “canto da sereia” tem um preço alto a ser pago no futuro, para outros é uma forma de viabilizar o início de novas idéias. Assim como no conceito de dropshipping, no qualquer um pode montar sua loja ou ecommerce, mesmo sem ter estoque ou uma loja, conceitos como o Micro SaaS permitem que empreendedores digitais criem pequenos negócios que, com baixo investimento, e poucos colaboradores se pluguem em plataformas existentes podendo utilizar ativos já existentes como tecnologia, ecossistema e audiência. Este movimento é um dos que influencia e muito a tendência de empresas enxutas pois, de um lado colaboradores de empresas tradicionais podem largar seus empregos em grandes empresas para montar seus próprios Micro SaaS, e de outro, empresas de Micro SaaS acabam sendo umas das empresas mais enxutas existentes, fazendo com que a média de Receita x Headcount do mundo digital seja ainda mais atenuada.

Business Feudalismo

A economia de ecossistemas também não é uma novidade. No mundo de hoje, principalmente na economia digital, em muitos negócios é preciso escolher se sua empresa terá foco em ter um Produto ou Serviço, e comercializá-lo em ecossistemas existentes para ganho de escala e maior competitividade, ou se sua empresa irá criar um ecossistema que terá vários produtos e serviços de terceiros, para ter seu ganho de escala e competitividade vindo da monetização de soluções de terceiros.

Voltando ao início de nosso Trends de hoje, e pautando a visão de Peter Deng, o avanço da inteligência artificial generativa elevará esse cenário a uma potência muito maior do que a que já tivemos até aqui. Não estamos mais falando sobre empresas que aplicam inteligência artificial em seus negócios, mas sim empresas que já nascem pautadas por A.I., empresas que podem atingir escala global, com faturamentos milionários, ou mesmo bilionários, sendo operadas por um time que consegue sentar numa mesa de reunião. Estamos caminhando para o extremo de uma empresa enxuta, moldada com base nas tecnologias, plataformas e ecossistemas – ou “feudos” indo pela visão de Yanis – de Big Techs, apoiadas em serviços prestados por ultra especialistas atuando part time de forma pontual em necessidades específicas.

Saber quando e como criar esses negócios, bem como ter a visão de que sua casa está sendo construída em terreno alugado, é algo que precisa ser considerado por todos que estão entrando neste novo ambiente, ou mesmo já estão lá sem saber. No Morse Trends “Pegando Carona“, falamos um pouco mais sobre como é possível utilizar essas oportunidades para começar rápido, e barato, um negócio, mas tendo em vista a necessidade de ir se adaptando com o tempo para ficar menos à deriva de terceiros.

Por mim, o conceito de empresas enxutas já vem acontecendo e deve se amplificar cada vez mais, e cabe a você saber se seu emprego, sua empresa ou seu negócio estão em vias de aproveitar esta tendência, ou ser engolidos por ela.

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