O risco da bala de prata

Imagine duas pessoas que tem como objetivo perder peso. A primeira decide seguir todos os influenciadores fitness que podem inspirá-la, baixa todos os e-books possíveis de dietas, pesquisa e estuda todos os “hacks” existentes para perder peso rápido e sem muito esforço. Mas com tantos milagres potenciais e poucos resultados, no fim acaba se  desmotivando pois, afalta de resultado rápido, ou pelo menos na velocidade esperada, gerou uma sensação de fracasso. . Já a segunda pessoa decide seguir seu ritmo e fazer o famoso “básico bem feito”, seguindo o que todo mundo sabe… fazer exercícios de forma constante, ter paciência no processo para não desistir e se alimentar de forma saudável. No fim, apesar das soluções milagrosas e de todo conteúdo fantástico  que convenceu e ensinou  a primeira pessoa, foi a segunda que atingiu o seu objetivo. 

E este cenário reflete o que diversos negócios e profissionais estão passando nos últimos tempos.. Muitos profissionais e empresas são semelhantes a primeira pessoa, obcecados pelos  “hacks milagrosos”, pela “última tendência”, “a grande tecnologia”, ou seja soluções que são pautadas em promessas rápidas, excessos e alta expectativa. No fim, trata-se de uma busca incessante pela bala de prata, que ao não existir, coloca em cheque toda uma estratégia de longo prazo, pois com tanta expectativa gerada inicialmente, o choque da decepção antes de chegar ao nível real de produtividade pode gerar desistências pelo caminho.

O vale da desilusão

A Gartner criou o Hype Cycle Graphic para abordar este tema no mundo da tecnologia. Ele apresenta como o lançamento de novas  tecnologias possui um ciclo no qual as expectativas acabam sendo mais infladas no começo, e precisam vencer o vale da desilusão antes de chegar ao platô da produtividade.

Esse movimento vem acontecendo com diversas tecnologias lançadas ultimamente; Blockchain, NFT, Metaverso etc. O próprio ChatGPT, que vem dando o que falar nos últimos tempos, está tendo esse efeito e o CEO da OpenAI, Sam Altman, que já passou aqui pelo Ghost Interview, recentemente falou sobre isso; ‘people are begging to be disappointed and they will be’.

No pain no gain

Acontece nas dietas, acontece no lançamento de novas tecnologias mas acontece também na busca de profissionais e empresas pela inovação de suas carreiras e seus negócios. 

Esta semana rolou em Nova Iorque a NFR Retail´s Show 2023, maior feira internacional de varejo do mundo, que inclusive teve uma cobertura especial aqui do Morse, feita em parceria com o Fernando Moulin, da SponsorB, através do recém lançado Audio Trends no Morse Audio News.Apesar de ser o maior e mais esperado evento do setor, com a presença das maiores empresas do planeta, referência em tecnologia e inovação, e com palestras dos mais renomados profissionais, muito do que foi pautado na feira já havia sido difundido através de diversos outros canais digitais e com isso  muitas temáticas foram apenas continuidade de assuntos que o varejo já vem trazendo e até praticando. Não houve muitas “balas de prata” no evento e quem foi para lá com esse objetivo, imaginando voltar para casa tirando um coelho da cartola, pode ter se decepcionado. \De certa forma os excessos gerados, e acelerados principalmente durante os dois anos de impacto do Covid nos negócios, fez com que profissionais e negócios perdessem os fundamentos e buscassem os hacks imediatos do sucesso. Como dito em um evento recente, “inovação e beach tennis passaram a ser quase a mesma coisa; de um dia pra outro todo mundo praticando, todo mundo virando expert mas sem nem entender o porquê“. O porquê das coisas, que inclusive foi pauta de nosso último Morse Trends, deveria estar cada vez mais em pauta nesse sentido. Quando você desafia e entende os fundamentos, você consegue implementar as informações em diferentes contextos e situações e não apenas no do case ou hack apresentado. Principalmente alinhando com as características, momentos e necessidades do seu negócio e mercado. A expectativa da bala de prata e da solução “gaming changing” para o seu negócio só torna o processo míope ou cego e tende a deixar você perdido no vale da desilusão da Gartner. Ir para uma NRF por exemplo, sabendo na prática onde estão os seus desafios e quais oportunidades gostaria de explorar, pode fazer com que a soma de café ali, um bate-papo acolá, e uma outra palestra ali, molde algo interessante para o seu negócio.

Don‘t go with the flow

O excesso de informações e conteúdos, que permeia a forma como consumimos informação, aliado à ansiedade e expectativa do sucesso imediato, nos tornou reféns de soluções rápidas, práticas e facilmente implementadas. Além disso, o Fear of Missing Out (FOMO), faz com que empresas e profissionais queiram abraçar todos os hacks com risco de ficar para trás.  Mas quem disse que são estas as verdadeiras soluções para nossas “dores”? Muitas vezes este excesso de informação nos faz focar sempre em processos pré programados ou soluções pré prontas que nos darão o caminho para a solução. Adam Kurtz em seu livro “A vida é o que você faz dela” fala “Às vezes tenho a impressão de que tem mais gente procurando descobrir o que fazer e como fazer do que fazendo algo propriamente”. Será que em nossas profissões e nos negócios estamos nesta busca incessante pelas soluções sem ao menos entender o porquê e na prática? 

Mas deixar de lado as informações e conteúdos não quer dizer que te transformará em um grande mestre da execução. Mas te desafiará, é claro, a descobrir e testar os caminhos e os processos que exigem paciência para análises contínuas. Contudo, ainda é possível unir esses dois mundos. Vamos para o exemplo que comentamos lá em cima, das duas pessoas com o objetivo de perder peso. A segunda atingiu seu objetivo, mas será que ela poderia ter sido ainda mais eficiente? Será que na sua jornada ela poderia ter aprendido também com as informações e conteúdos disponíveis, unindo seu processo paciente de implementação, mas ao mesmo tempo estando a par de possíveis melhorias, práticas que podem gerar melhores resultados, entre outros? Como tudo na vida, ter esse equilíbrio é importante, saber usar os conteúdos para abrir a cabeça e se provocar sobre alguma ineficiência de algo que você já está praticando poderá trazer mais benefícios do que adotar os playbooks mágicos antes mesmo de ter feito algo na prática.

Get ready, don’t get lost

Outro ponto importante é se preparar para passar pelo “vale da desilusão” apresentado no  gráfico da Gartner, pois sim, isso pode, e vai acontecer, mesmo que a partir de agora você alinhe melhor as expectativas no início. Isso não quer dizer que você deve seguir executando cegamente algo que não esteja dando certo, mas é importante saber alinhar antes o que é dar certo e o que seria uma expectativa inicial inflada. Falamos sobre isso neste Morse Trends sobre OQR’s, refletindo sobre como alinhar inicialmente não apenas as metas e objetivos de sucesso, mas também definir quando e como parar alguma iniciativa.

O grande ponto é que a expectativa da bala de prata nos deixa cego para o “óbvio” em nossa frente. E ao mesmo tempo o processo “óbvio”, que demanda mais tempo, implementação e prática, feito de forma isolada poderá gerar outros custos de oportunidade. O equilíbrio e balanço entre boas informações, conteúdo, cases reais, alinhados com uma boa implementação e execução prática permitirá um impacto muito mais eficiente na sua vida, na sua carreira e nos seus negócios.