Depois da Nike e da Disney, outra grande companhia fez troca na cadeira da presidência em favor de um executivo mais “digital”. Na semana passada, a AT&T anunciou a saída de Randal Stephenson, seu CEO desde 2007 para a subida de John Stankey ao posto. Stankey está na operadora há 35 anos, já foi CIO, COO e, até alguns dias atrás, era CEO da Warner Media. O Ghost Interview da semana não tinha como ser com outra pessoa.
Stankey ficou conhecido pela gente pela sua atuação ativa nas últimas grandes aquisições da AT&T: a DirecTV em 2015, a Time Warner em 2016 e a AppNexus em 2018. Foram operações bilionárias – mesmo, só a compra da TimeWarner custou uma bagatela de US$ 85 bilhões à operadora de telefonia. Como CEO da WarnerMedia, empresa criada após a operação com a TimeWarner, ele liderou a criação do HBO Max, serviço de streaming que une o conteúdo da HBO e filmes da Warner voltado para distribuidores de TV – e não só apenas para consumidores. Mais importante do que os M&As, foi sob tutela de Stankey que a operadora passou a ter uma visão completa do poder da união entre conectividade, audiência e dados.
MORSE: John, já vamos começar com uma pergunta difícil: qual o papel das operadoras de telefonia no novo mundo digital? John Stankey: Os Gs [4G, 5G] não importam mais. Para o usuário, não faz diferença se são 5G ou 5GB, logo, a demanda não será mais pela velocidade de conectividade, mas sobre mais. Isso é importante, porque se as operadoras não começarem a olhar para esse “algo a mais”, elas vão ficar para trás. O que mais importa hoje, é o usuário e a vontade dele. A gente precisa valorizar essa vontade individual, construir a nossa experiência em volta disso e criar a relação única com os usuários seja da maneira que ele quer. E para conseguir isso, precisamos de uma experiência de ponta a ponta. E a única maneira que isso acontece é quando ela está empacotada em um software.
Para manter as expectativas [dos clientes], a gente precisa repensar o jeito que fazemos negócios a partir de agora. A disrupção está acontecendo em todas as indústrias, e ela mostra que as cadeias de valor estão se comprimindo. E essa compressão está acontecendo por causa da conectividade que nós, como operadoras, oferecemos. Todos os negócios têm agora oportunidade de ter uma relação direta com o consumidores. E a realidade é que um modelo de negócios sustentável nesse mundo verá uma margem mais misturada entre produtos e serviços, enquanto estes passam por também uma alteração.
Amazon, Uber, Netflix, esses são os exemplos mais óbvios, mas está acontecendo em todos os espaços da economia. No nosso negócio, a criação de plataformas digitais já alterou nossos fundamentos e mudou a maneira que as empresas são conduzidas.Os modelos de negócio estão mudando. .
O usuário vai encontrar valor onde tiver a melhor relação e ele vai fazer isso nos seus próprios termos. É uma grande mudança. Como indústria, pode ser um momento desconfortável. Mas precisamos ficar confortáveis com o desconforto. Dar ao usuário o controle, dando a ele a o software que eles querem, dando a ele o conteúdo que querem, independente de plataforma, de uma maneira flexível e valiosa. Isso dá a eles o poder
MORSE: E nessa estratégia, como ficam conteúdo e publicidade?John Stankey: Nosso curso de ação anterior falhou em valorizar os usuários e os clientes no momento em que eles precisavam e queriam ser valorizados. Oferecemos a eles soluções pré-pagas, quando eles queriam customização. Nós adicionamos passos, regras, barreiras, requerimentos, quando modelos mais simples já estavam surgindo em outros mercados. Oferecemos para eles mais [produtos e serviços] por mais [dinheiro]. Mas, a verdade é que eles queriam mais por menos. Dada essa realidade, nós [da AT&T] mudamos as estratégias que guiam os nossos modelos de negócio baseado em alguns princípios.
O primeiro é que o vídeo vai dominar a carga paga das redes, mais de 60% do nosso tráfego das nossas redes é vídeo. Isso vai chegar a 70%, devido a formas de entretenimento e de comunicação baseadas em vídeo. Nós não conseguimos ver um futuro onde a AT&T continua relevante se a gente não participar diretamente de alguma das águas que estão fluindo em nossos canos.
O segundo é que os modelos de negócio com várias faces continuam importantes. Para nós, tanto os modelos de assinatura quanto os baseados em ads são igualmente essenciais. E são dois necessários e vão ser a inovação.
Conteúdo é importante. Acreditamos na equação entre conteúdo e conectividade, que o peso está começando a se movimentar para o lado do conteúdo, tanto conteúdo premium como nativo.
Curadoria e agregação de conteúdo, e queremos participar da inovação de modelos já existentes a partir de uma posição de dar escala, do que tentar isso do zero. Para uma empresa do nosso tamanho, perseguir mudança estrutural como um hobby não é uma estratégia ganhadora
Por último, produto é software. Software precisa ser um único produto contínuo a empacotar tudo, é o que entrega valor para os usuários e para a gente. Precisa de flexibilidade para eles, mas também nos diferenciar no marketplace. Não é só sobre conteúdo, ou ubiquidade de conexão, mas como eles navegam, é sobre como a monetização desses serviços ocorre para ser o melhor para o cliente e para o mercado.
Passamos tempo verticalizando e integrando nossos produtos, coordenando as capacidades para vender torres, pensando em pontos de distribuição em lojas. Esses dias estão acabando. Hoje em dia, software é o produto. É a cola que une a experiência e a torna atrativa. E eu ainda digo que se você não tem e controla a o conjunto de soluções e os sistemas do software, você pode não ter produto algum.
MORSE: Uma das aquisições que a AT&T fez nos últimos três anos foi da AppNexus, transformando-a na Xandr, a área de ads e analytics de vocês. Qual foi o racional por trás desta compra e como ela se encaixa na visão de futuro da AT&T?John Stankey: Publicidade é criticamente importante para o futuro da mídia e eu acredito que plataformas que evoluírem para acomodar tanto os modelos de assinatura, como também os apoiados por ads, serão grandes agregadoras da indústria. Sem mencionar que serão preferidas pelos consumidores.
John Stankey: O nosso objetivo na área de publicidade é trazer inovação para o segmento, que está já ‘caindo de maduro’ para esse tipo de mudança. Não podemos continuar a exibir conteúdo com ads da maneira que fazemos hoje. Existe uma forma melhor de fazê-lo, mais direcionado, menos invasivo e muito mais relevante. E a melhor forma de fazê-lo é combinando a grande quantidade de dados que nós temos e a nossa base de usuários da AT&T com a tecnologia e plataformas que temos, para conseguirmos inserir, criar target ads e colocá-los no ar. Isso tudo casado com o inventário da TimeWarner.
MORSE: Ah, você falou a palavra mágica para a gente: “dados”. Quais as possibilidades de uso dos dados e como ela explica a escolha da marca da HBO por vocês para o lançamento do streaming?
John Stankey: Eu acho que a HBO é uma marca incrível. Eles fizeram um trabalho fenomenal. E o que percebi durante o penoso trabalho de fazer a transição é que há oportunidade de criar mais. Principalmente para criar mais audiência e trazer mais engajamento. Porque no final do dia, a gente quer ter tecnologia e conteúdo para puxar o engajamento maior do usuário.
Seja na HBO, ou Turner ou na CNN, ou qualquer um dos ativos [da TimeWarner], com o tempo, é possível criar uma relação direta com o usuário, onde é possível entender quantos minutos, quantas horas, o usuário final está passando no seu espaço. E essa é a nossa “Estrela Guia” no momento.
Eu acho que a dinâmica é: como você consegue mais envolvimento com o cliente em que possui um certo grau de relacionamento e entende o que o cliente está fazendo e tem o benefício dos dados que eles trazem para essa equação? E você impulsiona esse engajamento colocando mais conteúdo envolvente na frente deles.
Lógico que nada substitui o processo criativo. É preciso ter muitas ideias e mentes criativas na produção [de TV].
Mas os dados podem informar questões como: como podemos juntar e agregar o conteúdo? Para quem você escolhe distribuir tais conteúdos? Como achar modelos de monetização que, no lugar de cobrar diretamente uma assinatura ou uma taxa maior do consumidor, você pode apenas monetizar por ads? Como você aprende que tipos de conteúdo os clientes são mais apaixonados e que acabam terminando rápido, e, portanto, você pode querer criar um tipo diferente de relação com o talento criativo que cria esse tipo de conteúdo? Dados podem ajudar tudo a melhorar.
John Stankey: Nós temos uma grande oportunidade de trazer dados e informação para o negócio, especialmente no de target ads, então conseguiremos integrar com o nosso modelo de ads. Está claro que o consumidor está cansado de quanto está pagando pelo conteúdo atualmente. A melhor maneira de combater isso é provar que você pode aumentar (vendas) os rendimentos da publicidade e usá-la para desenvolver conteúdo premium e fazê-lo de uma maneira em que possamos obter dinheiro de ambos os lados da equação, através da assinatura do consumidor e publicidade de terceiros que podem manter um bom conteúdo premium por aí, com amplas opções e preços acessíveis. É aí que nosso foco está.
MORSE: Ou seja…. você imagina um momento em que o serviço de streaming de vocês poderá ser totalmente de graça, apenas apoiado por ads? Como estão fazendo funcionar para a ponta dos negócios, principalmente das distribuidoras de televisão – como a Comcast
John Stankey: Primeiro de tudo, eu ainda acredito que é preciso ter um tipo de streaming premium baseado apenas em assinatura, que não tenha nenhum ad. Essa será a fundação da nossa plataforma. Mas, nossa crença é que, com o tempo, o consumidor irá valorizar profundidade e escolha. Então, no ano que vem [2021], vamos introduzir uma componente AVOD [ad suported video on demand] no nosso produto. Este componente AVOD vai ampliar o tipo de conteúdo diferente, com um esquema de monetização diferente. O AVOD não está gerando enorme quantidade de dólares ainda. Mas olhe para o Hulu: numa perspectiva por-assinante, há um bom fundamento econômico. Eles estão usando a publicidade de uma maneira diferente, e essa nem é a abordagem mais sofisticada que pode ser alcançada agora com a tecnologia atual e o que sabemos sobre os clientes. Então, acredito que há um lugar para o conteúdo suportado por anúncios no futuro.
(…)
Com o HBO Max, vamos estabelecer uma plataforma na maioria dos lares dos EUA que se torna um ponto de agregação natural. A diferença é que queremos oferecer uma economia atraente para esses serviços entrarem na plataforma, para que eles possam monetizar seus clientes, em oposição a alguns desses modelos flagrantes dos principais provedores de sistemas operacionais sem fio [uma referência às lojas de aplicativos da Apple e do Google] que deslizam da parte superior e tornam praticamente impossível alguém ganhar dinheiro. Ou as demandas da Roku de pegar partes do inventário de anúncios em troca do direito de estar na plataforma – não acho que esse seja o caminho mais atraente a longo prazo.
MORSE: Em um tempo de três anos, vocês fizeram duas grandes aquisições no mundo da TV e do vídeo: da DirecTV e da TimeWarner. Como a mudança de comportamento dos usuários explica as compras e qual a sua visão de mercado para esse segmento?
John Stankey: As pessoas não vão apenas comprar conteúdo pelo conteúdo. Eles vão comprar o conteúdo porque é associado com outros produtos e serviço. Seja ele a Amazon, que escolhe oferecer incentivos em seu marketplace para o serviço de vídeo, ou a AT&T que coloca valor na TV paga ou na conectividade ou na banda larga associada ao conteúdo.
Nós já fizemos isso com a HBO logo no começo da aquisição, juntamos com os nossos serviços de banda larga, isso aumenta o engajamento e diminui a característica de churn. E vamos continuar a fazer isso [no lançamento do HBO Max]
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Sobre a DirectTV, acho que algumas coisas vimos de forma diferente na época. A erosão das assinaturas de televisão paga talvez tenha acontecido mais rápido do que a gente tinha esperado. Mas o que falo é que quando compramos a empresa [DirecTV], nós não fizemos a operação porque gostávamos do serviço de satélite, mas porque pensamos na nossa base de usuários. Era um serviço que tirava dinheiro dos nossos clientes, por isso era importante a operadora oferecer esse tipo de produto. Fizemos o que deveríamos fazer. Sempre dizemos que seria uma transição dos assinantes de TV satélite para os assinantes de software.
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Quando saí do negócio da DirecTV no meio de 2017, uma das certezas que via era que precisávamos oferecer um entretenimento mais generalizado on-demand para sustentar a base, assim eles permaneceriam na nossa plataforma, sem precisar ir a outro lugar.
MORSE: Para finalizar, muito se fala das streaming wars da perspectiva dos usuários, mas e dos negócios. Como e quando teremos um “vencedor” dessa batalha?
John Stankey: Nos próximos 2 ou 3 anos, é uma corrida que vai ganhar escala nas plataformas, e então, obviamente, não queremos fazer nada que seja economicamente inviável, mas o objetivo é criar uma plataforma que seja capaz de ter uma base de usuários escalável, e, no meu caso, eu vejo como potencial de mercado para o streaming entrar em 2/3 das casas dos EUA e fora das fronteiras dos EUA também. Acho que nesse tempo, a gente poderá ver quem está ganhando.
Para as distribuidoras de televisão digital, como a Comcast e até como a Apple, não é muito diferente do que distribuir a HBO como televisão, a empresa pode participar na parte financeira, ganhando um residual mensal das assinaturas. Diferente do que acontece quando o usuário entra num aplicativo de streaming sozinho. Além disso, todo o dado gerado pela HBO Max entra na Xandr é anonimizado e agregado, e pode voltar como informação para os distribuidores.Será possível, com o tempo, monetizar o inventário. Assim como na distribuição da HBO na TV Paga.