Ghost Interview
GHOST INTERVIEW #39 | Bate-bola com Jorge Paulo Lemann
Dinossauro?! No way!
O Ghost Interview de hoje dispensa apresentações e formalidades. Afinal, não é todo dia que a gente consegue falar de tecnologia, mudança do mercado e dados com uma das maiores inspirações de empreendedores do Brasil (e uma das nossas maiores inspirações!). Já estava na hora da Ghost Interview chegar em Jorge Paulo Lemann.
Criador da Ambev e da 3G Capital, dono de parte da Kraft Heinz,, o empresário já era o “homem mais rico do Brasil” quando percebeu uma mudança no mercado, então resolveu investir em startups – e já aportou em três unicórnios brasileiros. Ele pode até se chamar de “dinossauro” quando o assunto é tecnologia, mas a gente não se engana pelos cabelos brancos, não, porque Leman sabe do que está falando. E depois de ler esse Ghost, vocês terão a mesma certeza:
Eu sou um dinossauro apavorado, especialmente depois dessa conferência [Milken Institute 2018 Global Conference]. Eu assisti a um painel sobre alimentos ontem, e só falaram em novos produtos e novas formas de produzir alimentos. Depois fui a outro painel, sobre inteligência artificial, e todos falaram em novos produtos e novas formas de produzir alimentos. Depois fui a outro painel, sobre inteligência artificial, e todos falaram muito sobre dados e analytics.
Eu vivia num mundo aconchegante de marcas antigas e volumes grandes, em que nada mudava muito, e você podia só focar em ser mais eficiente e tudo ficava bem, e de repente nós estamos sendo “disruptados” de todas as formas. Se você vai a um supermercado, você vê centenas de novas marcas na prateleira, e o cliente não quer sair mais de casa: ele quer tudo entregue na casa dele… Em cerveja, nós tivemos todos estes novos tipos de cerveja chegando, como as marcas artesanais.
Então nós estamos sendo afetados por tudo. O que estamos fazendo sobre isso? Estamos correndo para nos ajustar. Nossas empresas estavam presas às suas formas de fazer as coisas há muito tempo. Então, na cerveja, nós montamos um departamento totalmente separado: chama-se Zx, e a missão dele é lidar com essas rupturas e “disrupt” nós mesmos. Contratamos gente nova, de todos os tipos: gente mais jovem, gente mais voltada para o digital, mais voltada para dados, queremos que esse seja um modelo que a gente possa replicar em outras empresas. Estamos lutando.
(…)
Compramos marcas e achamos que elas durariam para sempre. Tomamos muito dinheiro barato emprestado porque o dinheiro era barato. Isso funcionou muito bem. E aí a gente só administrava aquilo de forma um pouco mais eficiente, mas agora temos que nos ajustar totalmente às novas demandas dos clientes, clientes que hoje são muito mais volúveis: eles querem produtos diferentes todos os dias, querem que a gente entregue de uma forma mais fácil… nós realmente temos que nos ajustar.
Existem empresas grandes que estão à nossa frente, que também são empresas de commodities [e que se adaptaram]. Só para citar algumas: acho que a Starbucks é uma, a Nike é outra, a Zara na Europa… Portanto, tem gente que está num negócio como o nosso, um negócio tradicional, que se ajustou, então temos que ir nessa direção.
(…)
Quando o craft [cerveja] nos pegou de surpresa, tínhamos acabado de entrar nos EUA, havíamos acabado de comprar a Anheuser-Busch. Então as craft entraram e aquilo realmente nos pegou de surpresa. Demoramos um pouco para reagir.
Como eu disse, a gente estava agarrado na ideia da marca sólida e de que isso era importante… Aí de repente essas coisas novas chegam, e nós fizemos uma reunião do conselho num restaurante em que havia 200 marcas de cerveja artesanal, e nenhuma nossa. Coisas assim aconteceram. Então, nos surpreendeu, mas nós reagimos. Compramos 20 empresas de cerveja artesanal, trouxemos alguns caras a bordo e estamos aprendendo muito com eles.
(Fala no painel “Strategy and Leadership in an Age of Disruption” da Milken Institute 2018 Global Conference em 23 de maio de 2018, como descrito pelo Brazil Journal)
Há um ano e pouco atrás eu me auto intitulei um dinossauro apavorado, estava ali um pouco encastelado achando que estava tudo bem. Então tive alguns incidentes que mostraram como o mundo estava mudando rapidamente, como tudo está sendo disruptado, passeia a ver que tínhamos que agir mais rapidamente em relação a todas as transformações do mundo. Agora não sou mais um dinossauro apavorado, sou um dinossauro se mexendo. Estou correndo atrás, viagem à China, tem muita coisa acontecendo lá, principalmente no mundo digital. Tenho feito novas tentativas de investimentos na área tecnológica, correndo atrás mesmo, para ver se me atualizo. Dos unicórnios brasileiros, pelo menos estou investindo em três: Stone, na Movile e também, é brasileiro, é de brasileiros, a Brex, novo cartão de crédito. Estou ali, vendo o que está acontecendo.
Tem que correr atrás porque o mundo está mudando rapidamente, você tem que se adaptar. Uns amigos meus americanos me convidaram para ir em uma expedição para observar passarinhos. Você anda 500 metros, fica olhando os pássaros. Fiz isso algumas vezes com esse mesmo grupo de amigos, à noite a conversa era sobre os passarinhos, como cantavam, como eram bonitos. Fiquei surpreso porque fiquei sem ir nessas expedições com eles por uns cinco anos, e fui no ano passado: à noite a conversa foi em torno dos dados estatísticos das migrações dos passarinhos, quantos passarinhos migravam do México para os estados unidos todos os anos, são 2 bilhões de passarinhos inclusive. Até olhar passarinho ficou muito mais baseado em dados, mais baseado em técnica, então tem que correr atrás. Se nao você vira um dinossauro extinto.
Estamos sendo disruptados, o consumidor está muito mais empoderado com o mundo digital, aquelas marcas de antigamente não tem mais o mesmo valor, precisa estar se ajustando o tempo todo para que o consumidor quer.
(Entrevista em conjunto com Guilherme Benchimol no ExpertXP2019 em 6 de julho de 2019)
A maioria das pessoas olha a carreira dos empresários no jornal e veem o sucesso, e acham que aquilo é uma linha reta, que se atinge com facilidade. Na realidade, acompanhando pelo jornal, você só sabe se ele é bem sucedido ou faliu, tudo que tem no meio não aparece – as dificuldades temporárias, as dificuldades e o que se aprende delas. Os empreendedores salvarão o Brasil, e quero que eles não desanimem na primeira dificuldade, quero que eles continuem.
Sempre digo que o tênis foi muito importante na minha carreira. Comecei a jogar com 7 anos, me lembro que, com 9 anos, eu perdi para o meu grande rival no Country Club do Rio de Janeiro, aquilo me abalou profundamente. Aos 12 anos, perdi para um boliviano, foi difícil. Jogar tênis me preparou para perder. Cada vez que eu perdia, eu tentava analisar o que tinha acontecido, por que não tinha dado certo, como poderia melhorar. Sem esforço, não tem resultado. O tênis foi importante para mim, para me habituar a eventualmente não ganhar e a sempre analisar como poderia fazer melhor da próxima vez.
Aos 17 anos, era surfista, tenista, só estava interessado nisso. Fui para Harvard, onde tinham os jovens mais brilhantes do mundo. E lá estava eu, surfista, tenista, que nunca tinha estudado muito e tinha que me virar. No primeiro ano, eu quase fui expulso da faculdade. Além de não estudar nada, soltei uns fogos no Harvard Yard, então me ameaçaram expulsar. Não me expulsaram no final de contas. Voltei e resolvi que tinha que focar em encontrar uma maneira de completar meu curso lá, porque da maneira que eu era antes, não teria o diploma. Isso me obrigou a desenvolver métodos de focar e ter bons resultados. Eu reduzia todas as minhas disciplinas a cinco pontos básicos. Hoje em dia, em todas as nossas empresas, sempre temos 5 metas básicas, cada pessoa tem 5 focos básicos. Com isso, consegui completar o curso. Se eu não tivesse tido as dificuldades iniciais, talvez não teria completado.
Work hard & Dream harder
Passei um ano no exterior jogando tênis, única época em que eu joguei só tênis. Voltei para o Brasil, me juntei a umas pessoas que tinham se formado no esterior, em faculdades da Ivy League [liga das faculdades mais caras nos Estados Unidos] e montamos uma financeira. Meus colegas, meus sócios eram mais velhos que eu, todos bem formados em boas faculdades: falimos em quatro anos. Aquilo foi um baque colossal, eu tinha 26 anos, e me achava o máximo. Descobri que não era tão esperto, tão inteligente assim. Mas, novamente, as dificuldades me ensinaram muitas coisas: a empresa faliu porque não tinha nenhuma administração, todos os sócios eram parecidos, queriam vender muito, queriam fazer negócios e ninguém cuidava da retaguarda, então falimos. Aprendi bastante. Aprendi que em sociedades, quando contrata gente, não deve só ter gente parecida com você, precisa ter outro tipo de pessoa. Aprendi também que em qualquer empresa precisa ter boa administração se não aquilo não anda pra frente. O goleiro é tão importante quanto o pessoal que está fazendo negócios. Dali para frente, dei muita atenção a todos os goleiros, a tratar bem os goleiros das empresas.
Nunca é uma linha reta, sempre tem vários altos e baixos. O importante é estar sempre aprendendo com as dificuldades, sempre vendo nas dificuldades, uma oportunidade. Dificuldade gera a necessidade de melhorar.
(Apresentação no Day 1 da Endeavor em 2 de setembro de 2015)
Eu acho que o principal erro que houve do Garantia é que ele era uma organização muito visando o curto prazo e atraía gente boa de gerar resultado no curto prazo. Tinha o bônus semestral… Bônus semestral é período muito curto. Você transformava as pessoas em sócios também. Isso já era uma coisa mais longa, mas basicamente a maior parte da turma do Garantia estava lá porque era um lugar que dava para ganhar dinheiro e que ganhava dinheiro, então isso gerava uma visão muito de curto prazo e não uma visão de querer construir uma entidade de longo prazo, perene. Acho que foi o principal fracasso geral do Garantia, que no início não se sentia, porque o negócio era ganhar dinheiro e lá no final se sentiu um pouco.
(…)
Eu acho que startup, em geral, é de gente que não tem dinheiro, então há o objetivo.
O que é curioso na startup é que, antigamente, a maneira de ganhar dinheiro rápido era fazendo alguma operação que desse lucro ou montando uma empresa que desse lucro. E, com a maioria dessas startups técnicas, o objetivo não é o lucro, o lucro de balanço, o objetivo é gerar uma história com a qual você vai captar mais dinheiro de novos investidores.
Então mudou a ótica de ganhar dinheiro na empresa para ter que fazer uma história bonita para tomar dinheiro de todo mundo que quer investir em startup. Eu acho que tem muita startup aí que o pessoal está levantando dinheiro a preços absurdos.
(Entrevista ao Podcast 500 da Rio Bravo em 3 de agosto de 2018)
Demorei um pouco para ter uma visão de longo prazo das coisas. Em uma corretora você está sempre pensando 24 horas para frente. Banco de investimentos também é um negócio de oportunidades do momento. Demorou algum tempo para eu entender que aquela atividade toda, aquele turbilhão é divertido no dia a dia, mas, se você não pensar a longo prazo, para onde vai e incutir isso na cultura das pessoas que trabalham com você, não vai chegar muito longe.
Gostaria de ter aprendido um pouco sobre ter uma visão mais a longo prazo. Estar disposto a investir a longo prazo, com as pessoas dispostas a percorrer em longo prazo.
A nossa cultura de corretora, mercado financeiro, não era de agradar o cliente ou dar muita importância para o consumidor. Com o passar dos anos eu aprendi que, se você quiser montar uma coisa maior, não há possibilidade de fazer isso sem se preocupar em agradar as pessoas que estão comprando o seu produto ou as que você está servindo.
(Entrevista publicada pelo canal NaPrática no Youtube em 20 de setembro de 2016)
Se fosse jovem eu ia para a Califórnia, passava a temporada lá, e tentaria voltar para o Brasil e inovar baseado em tecnologia, da mesma maneira que fiz no mercado financeiro, que estava começando no Brasil há 50 anos, fui lá fora, vi vários produtos e coisas que tinham lá e trouxe para cá. Foi indo. Adoraria ser um empreendedor tech, mas não disponho do know how, não tive tempo de morar na Califórnia ou em Israel, onde tem muita tecnologia nova. (…)Acho tech super importante, não tenho dúvida que vai ser cada vez mais importante para os negócio, de vez em quando faço uns inveitmentozinhos para testar as águas, coisas pequenas, mais para testar e aprender um pouco.
(Conversa com Juliano Seabra na Endeavor Brasil em 2 de maio de 2017)
Espero que, em um período de dez anos, nós tenhamos cinco empresas brasileiras de tecnologia no topo do market cap (valor de mercado). Atualmente, não temos nenhuma no top 10. Já temos algumas chegando.