Pare dez segundos e pense em como você lia as notícias em 2011. Depois tente se lembrar de como era para se informar na web em 2001. Quando damos essa dimensão, vemos o quanto desta realidade mudou. As grandes publishers perderam espaço para as redes sociais, que estão perdendo espaço para os criadores e para as marcas. Se a sigla do momento tem sido as tais DNVBs (Digital Native Vertical Brands), ou seja, marcas completamente digitais e verticais, como o caso da YVY que exploramos em nosso MorseCast com o Marcelo Ebert, que tal falar sobre as DNVPs (Digital Native Vertical Publishers)? E, como o debate é quente, convidamos um time de especialistas de peso para pintar este cenário para vocês: Fábio Trevisan, head de conteúdo do Nubank; André Chaves, CGO da Futurum Capital e fundador da Future Hacker, Paulo Henrique Ferreira, diretor executivo da Barões Digital Publishing, Carlos Sambrana, cofundador da Neofeed, e Vitor Conceição, fundador e CEO da Meio.
Branded Publishing é o foco
Para falar do futuro, ou melhor, do presente dos publishers nativos digitais, temos que explicar um outro termo, o “branded publishing”, ou seja, o ato de uma marca se transformar num espaço de conteúdo e experiência para os usuários. “O branded publishing é uma evolução do branded content, pois as marcas começam a ter o seu espaço como publicadores e se apropriam do território e do assunto, tendo um canal próprio. Até o ponto que esses canais próprios podem ter uma DMP e começar a comercializar outras marcas de contextos parecidos”, explica André Chaves, que vê este espaço como mais do que um lugar para “fincar” o branded ou para virar porta-voz de um assunto ligado ao branding da marca. Essa mudança já está chegando no branded content da maneira que conhecemos, que, olha só, nesse mundo do publishing, se torna “unbranded”. Quem nos explicou isso foi Fábio Trevisan, head de conteúdo da Nubank e do Invest News. Segundo ele, o unbranded é quando a marca se torna um espaço agnóstico de informações e notícias, e acaba se tornando um local estratégico para se conectar com a audiência.
Asas para que te quero
Se o que você pensou quando falamos de unbranded content e de marcas foi um site de notícias ou de análise, você está parcialmente correto. Você deve ter lido (por aqui, esperamos) que há uma corrida para a aquisição de portais de notícias e canais verticais. Empresas como Magalu, BTG Pactual, XP Investimentos compraram sites noticiosos para compor as suas estratégias. Mas nem tudo do mundo do conteúdo são notícias e portais próprios. “As marcas precisam começar a ter a mentalidade de publisher, o que não significa, exatamente, produzir conteúdo próprio, e sim dominar a cadeia de valor da publicação de conteúdo e deter a distribuição dele. Até porque, se não entender a distribuição, o conteúdo morre encastelado”, explica PH, da Barões. E pensar na distribuição é também pensar na existência de um mundo enorme além dos textos , videos curtos e podcasts. Existem os eventos, o entretenimento, o esporte, e até a música, como trouxemos em nosso Podcast de ontem com Fabiana Bruno e Luiz Calainho… que entre Michael Jackson e Jamiroquai, falaram sobre o papel da arte e da música na construção de personalidade e autoridade para marcas. E, se vamos falar de conteúdo para criação de personalidade e autoridade de marca, não podemos deixar de fora o Touro Vermelho! A Red Bull levou o poder de viabilizar e distribuir conteúdo ao nível máximo até que chegou ao ponto de ter a Red Bull Media House e, hoje em dia, deter times de futebol e uma equipe de F1, e tudo isso entra no conceito de publishing. E as marcas podem estar em todos esses ambientes não só como patrocinadoras. “Imagino um momento em que marcas vão deter direitos de transmissões de shows e esportes, vão oferecer esses serviços”, disse PH. André é mais provocador e fala que ele sempre viu que o maior concorrente da Globo nunca foi a Record ou a SBT, mas a Vivo ou alguma outra telecom que poderiam se tornar hubs de entretenimento. “As marcas vão começar a concorrer com publishers, e quem ganha são as marcas. A empresa vai crescendo em vários territórios, é quase como várias empresas em uma só”, explica André.
Presença
Difícil não falar também que estar em outros espaços que não apenas no de vender diretamente o seu produto ou falar só dele pode dar às marcas um ativo valiosíssimo no dia de hoje: o tempo dos usuários. “Hoje você consome conteúdo em qualquer lugar e o tempo todo, no celular, consome conteúdo em qualquer momento do dia, seja um texto, navegando num site, seja num video no YouTube, redes sociais, ouvindo podcast, e quem consegue ofertar bons conteúdos consegue ter essa conexão com os consumidores”, explica Fábio. Falamos aqui no Morse sobre como a próxima batalha das empresas de tecnologia era para ganhar o tempo dos usuários e não é à toa que estamos vendo até companhias como a Apple investir em se transformar em publisher. Em forma do Apple TV+, lógico, mas é um tipo de conteúdo próprio, que não só capta receita (pouca, em comparação com a da Apple), como também mantém os usuários dentro do ecossistema, usufruindo de serviços junto com o aparelho.
“O novo marketing”
“Tem muita gente produzindo conteúdo, se você não está produzindo, os seus concorrentes já estão”, disse Fábio. E, de fato, quando pensamos em redes sociais e até influencers, a história começa a ficar mais complexa. A maior crítica aqui é que, no lugar de trazer para seus ecossistemas, as marcas acabam ficando apenas em campanhas ou em “embaixadores”, não é tanto um pensamento de publisher e mais de publicidade. “A crítica que tenho com empresas quando falamos de branded é porque elas tendem a achar que é campanha. E não é, é se apropriar do território. Falta ousadia para as marcas”, disse André. Na visão de Vitor Conceição, do Meio, o branded content tradicional do nosso mercado é muito ligado ao “infomercial”, “é um desperdício de dinheiro para todos os lados que estão na operação”. Logo, é preciso pensar em algo mais estratégico e menos pontual para, de fato, fortalecer a relação entre publishers e marcas. Para PH, a discussão precisa ir além das campanhas digitais ou de pequenos storytelling de campanhas, mas um pensamento de publishing como um todo. “As marcas precisam de mais plataformas e menos campanhas. Mais estrutura. O publishing precisa ser tão forte quanto o marketing”, explica PH, o que significa colocar essa comunicação mais ampla num ponto estratégico e pensando em longo prazo, e não exatamente na conversão imediata. Para ele, as áreas de comunicação vão ter que se comportar cada vez mais como martechs para entender as oportunidades de conexão com a audiência.
Começo, meio e fim
Um dos elos da cadeia são aqueles que já criam conteúdo digital, mas optaram por estar próximos de marcas de uma forma diferente e mais contextualizados. Como é o caso dos nossos colegas da Meio. Vitor Conceição, o fundador do Meio, comenta que, desde o começo, há no Meio uma concepção de startup: “Começamos pensando no problema, e o problema é a crise nas democracias por conta da desinformação. Às pessoas perderam o hábito de se informar e, mesmo em meio a tantas informações, posts e mensagens, o ruído é tão grande, que elas passaram a não estar mais informadas”, diz Vitor. Para acatar essa questão, eles lançaram a Meio, uma newsletter diária que tem a proposta de dar as principais notícias de política e economia em menos de 10 minutos. A conversa com as marcas começou logo cedo, a Meio passou a criar editorias especiais, com temas de interesse para marcas poderem participar. “Com isso, estamos associando a marca à nossa news, mas levando conteúdo de jornalismo para essa marca criar autoridade, além de levarmos audiência qualificada para essa marca”, explica Vitor.
Todo mundo performando
Na opinião de Carlos Sambrana, da Neofeed, o mais importante para as novas publishers, sejam elas marcas ou empresas de conteúdo, é pensar em novas formas de se criar modelos de negócio. “O jornalista precisa se posicionar como empreendedor”, disse Sambrana. E, pensando como empreendedor que o Meio conseguiu abrir duas linhas de receita: a assinatura direta e a com publicidade contextualizada. O meio conseguiu entender que a sua newsletter funciona muito bem para ajudar as marcas a se mostrarem porta-vozes no mundo da inovação. “Ajudamos na construção da marca em atingir a audiência qualificada, um público que pode virar influenciador positivo para o seu negócio. O público qualificado não vê mais TV, não é mais impactado por spot de 30 segundos ou por ads em redes sociais. Sei que as marcas vão fazer esforços para virar publishers, mas elas não têm audiência. Logo, precisa ter uma integração entre marcas e publishers que já têm audiência, que já sabem fazer o conteúdo e não tem razão não fazer algo junto”, disse Vitor. Vitor lembra da ação que a Netflix fez em conjunto com o New York Times na época do lançamento da série Orange is the New Black. No lugar de entrar via publicidade ou branded, o que a Netflix fez foi investir em uma série de reportagens sobre a vida das mulheres em prisões norte-americanas. A publicidade para a série ficou ao lado das reportagens, como uma continuação das histórias reais contadas ali. Uma forma, diz Vitor, bem equilibrada e interessante de ligação entre marcas e publishers, que não manchou nem a marca, nem a qualidade jornalística do conteúdo.
Data is the Crown
Deixamos o melhor para o final? Sim. Porque é aqui que marcas e empresas de jornalismo se encontram: nos dados. Porque se o conteúdo é mesmo o rei ou a rainha do século 21, a coroa é feita de dados. Estamos num momento propenso a se pensar em proteção das informações, não só por causa da LGPD, da GDPR e das leis norte-americanas com relação a isso, mas também porque o mercado está se movimentando para fechar cada vez mais a torneira de captação de dados para terceiros. Com a Apple e seu ATT e o fim dos cookies anunciados pelo Google, a marca que não tiver a sua fonte primária de dados da audiência vai ficar nas mãos de quem tem. “Se colocar na plataforma de um terceiro, ela não vai construir para si o ativo. A inteligência proprietária de dados só vai poder vir com a mídia proprietária”, diz PH. Ter o “first party data” que não apenas o transacional será essencial para as marcas se movimentarem, não apenas para publicidade, mas para P&D e para entenderem quais são os próximos produtos a se lançar por exemplo, ou até mesmo criar novas linhas de negócio. Aqui vale dizer que a Red Bull já possui uma linha de receita exclusiva do licenciamento dos seus conteúdos proprietários como os diversos eventos esportivos que eles criaram. Outro exemplo está no Spotify, que está pensando entrar no mercado de eventos utilizando os dados gerados através dos conteúdos do seu serviço. Estando em eventos de música, ele terá mais um lugar para entender e refinar o aplicativo, além de reforçar a marca como autoridade quando o assunto é música e descoberta de novos artistas.
Ads & Content
Por fim, tem uma frase que gostamos muito e resume essa dobradinha entre a publicidade e o conteúdo. “A publicidade é o porquê de alguém vir falar com você em uma festa. O conteúdo é o porquê das pessoas continuarem falando com você”. Neste sentido, a publicidade está relacionada a como você se apresenta; seu estilo, sua roupa, seu sorriso, sua postura, as outras pessoas que estão com você na roda, e por aí vai. O conteúdo é o porquê de continuar a relação dali em diante. O porquê vão te adicionar nas redes, pegar seu telefone e querer manter contato. Então, sim, sempre é bom sua marca frequentar lugares para conhecer novas pessoas, e aí a publicidade tem a sua importância, mas que a roda de conversas da sua Marca possa ser a mais interessante da festa, e que ela possa sair de lá com contatinhos 🙂