Você teve que se reinventar este ano? Teve que criar um processo diferente no seu dia a dia? Foi obrigado a mudar a forma que encarava ou que se colocava no mercado? Se “virou nos 30” para absorver todas as transformações de paradigma que aconteceram nos últimos meses? Imagina passar por isso sempre na sua empresa. E, a cada 9 anos, simplesmente, mudar o seu negócio todo. Foi isso que o nosso “entrevistado” do Ghost Interview de hoje fez durante seus mais de 50 anos de carreira. E não tínhamos como trazer ninguém melhor para encerrar 2020.
Bob Greenberg criou a R/GA junto do seu irmão lá nos anos 70 com a ideia de ser uma firma de design gráfico e impresso. Logo no começo, o primeiro pivot: de companhia de design, passou a empresa de efeitos especiais para filmes e vídeos. Alguns anos – e um Oscar depois – um outro pivot: para se tornar uma agência de publicidade nos anos 90. No começo dos anos 2000, uma nova transformação para se tornar uma consultoria digital. Pela regra de Greenberg, uma empresa precisa sempre evoluir e se movimentar para continuar na onda – se der para ser um pouco antes da onda crescer, melhor ainda. Autodidata e capaz de transitar em diversas áreas sempre tendo a inovação como norte, Bob é uma das inspirações para o MorseMatch.
Bob, conta para a gente como a R/GA começou e como acabaram chegando no setor de ads?
Meu irmão e eu começamos em 1977 na 38th Street entre Park e Lex em um apartamento realmente minúsculo [em Nova York]. Dormíamos lá à noite e trabalhamos lá durante o dia. Começamos com pouco dinheiro, cerca de US$ 12 mil. Ele já tinha um negócio freelance fazendo animação gráfica para comerciais. Fomos contatados por Steve Frankfurt – que realmente inventou a publicidade para filmes modernos – e ele perguntou se poderíamos trabalhar no filme Superman. Depois disso, começamos a trabalhar igualmente em Hollywood e Nova York e trabalhamos em centenas de filmes e milhares de comerciais.
É um processo reducionista ir da fotografia para digitar e copiar. É realmente uma questão de simplicidade. E queríamos tirar o melhor do que estava sendo feito em pôsteres e gráficos e entrar em ação. Havia apenas quatro pessoas [que estavam fazendo isso na época]: Saul Bass, com quem as pessoas devem estar familiarizadas. Charles Eames fez muitos filmes e gráficos em movimento. E José e Pablo Ferro, que podem não ser tão conhecidos, exceto que estavam fazendo o trabalho mais interessante de design de títulos com coisas como “Laranja Mecânica”.
Nos anos 90, eu comecei a me interessar muito pela informatização do processo de produção e pós-produção de filmes e publicidade. [Fundador da Silicon Graphics e Netscape] Jim Clark me mostrou o Mosaic, que era uma nova tecnologia [um navegador da web antigo] que permitia que você tivesse uma interface com a internet. Quando vi isso, não consegui sair do que estava fazendo rápido o suficiente para criar uma agência para a era digital. Foi quando vi o que poderíamos fazer. E pude ver com a internet como isso afetaria as marcas e a publicidade. Então, começamos a nos mover nessa direção em 1993, nos tornando uma agência interativa em 1995.(Entrevista à revista Surface em 19 de fevereiro de 2018)
O que aconteceu para você mudar, novamente, de modelo de negócio nos anos 2000? E você acha que os ads deixarão de ser parte do negócio da R/GA?
Por volta do começo dos anos 2010, começamos a olhar para um ecossistema de marcas. Nike tem um. Amazon tem um. Google tem um. E certamente, a Apple tem um – e é o mais famoso de todos. Já em 2015, nós percebemos que todos esses ecossistemas estariam conectados entre si. Neste ponto, mudamos nossa tag line para abarcar a “era conectada”.
Hoje em dia, temos uma área chamada R/GA Ventures que investe em startups. Nós investimos em conceitos em volta da internet das coisas e de devices conectados.
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Mas publicidade sempre será uma parte do que fazemos. Tem sido uma base muito importante. Somente a publicidade poderia ter financiado a inovação que criamos na R/GA. Os orçamentos estão lá, e acho que ainda é verdade que as empresas não podem ter sucesso sem publicidade e comunicações de marketing.
É onde está o dinheiro. Se você olhar o que está por trás do Google, há muitas coisas, mas na verdade seus produtos de publicidade financiam 90% do que eles fazem.(Entrevista à revista Surface em 19 de fevereiro de 2018)
Qual das transições que a R/GA fez foi a mais difícil? E você continua procurando por essas transformações difíceis?
A transição de uma empresa de efeitos especiais para uma empresa de publicidade foi muito difícil. Eles são negócios baseados em projetos, mas não têm muitas semelhanças.
Apenas 30 pessoas vieram comigo quando fiz a primeira mudança, e éramos cerca de 225 pessoas na época. É isso aí – você fala com as pessoas da indústria agora e elas dizem que querem fazer grandes mudanças em seus negócios, mas não estão realmente dispostas a sacudir sua organização.
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Em Nova York, agora [ em 2014] temos um modelo de grupo na agência. Minha preocupação sempre foi: “Quão grande você vai ficar antes de ficar ruim?” Então, criamos oito agências dentro da agência principal. Todas têm P&L semelhantes aos de Londres; todas têm um gerente, um criativo e um tecnólogo.
Foi uma coisa difícil de fazer e nós lutamos por isso, mas acho que é um novo modelo de agência de negócios. Em vez de ter um grande negócio e apenas colocar um cliente em cima dele, temos um grupo de agências menores que funcionam de forma independente, mas trabalham juntas. Quando o dividimos pela primeira vez, todos se tornaram competitivos, mas eu mudei a dinâmica para que as pessoas fossem recompensadas pela colaboração.(Entrevista à Campaign em 27 de março de 2014)
Esse é um ponto legal de se marcar, porque temos falado bastante por aqui, como a intersecção de áreas e de skills ajuda a criar a inovação. Este modelo colaborativo que comentou aí em cima teve alguma inspiração no segmento que trabalhavam antes?!
As estruturas criativas que me fizeram trabalhar juntos existiam na indústria cinematográfica naquela época.
Trabalhava em 140 features filmes, o último que trabalhamos foi Missão Impossível: o ponto é que a estrutura mais colaborativa que existia era a de produção de um filme. Então, quando começamos a R/GA, na área de agências, a gente começou numa estrutura colaborativa, onde todos os outros, todas as grandes agências iam num modelo competitivo. É um modelo que funciona para fazer spots em rádio, impresso e televisivo, mas o que as pessoas precisam agora é uma estrutura colaborativa. O nosso sistema operacional é colaborativo. (Entrevista ao podcast da DMexco, publicado em 12 de junho de 2019)
A R/GA é conhecida pelos “ciclos de nove anos”: vocês mudam a cada 9 anos, por que?
Se não mudarmos nossa estrutura, ficaremos menos relevantes.Não seremos capazes de crescer. As pessoas falam sobre mudança e adaptação, mas não veem quão rápido a competição está chegando, de todos os lugares. Precisamos nos mover. Nós não temos escolha.
(Entrevista à Fast Company em 9 de janeiro de 2012)
Qual o impacto da mudança de tecnologia nas suas transformações de negócio?
Não acreditamos na mudança pela mudança. Mas desde que a empresa começou em 1977, nós evoluímos. Na verdade, nosso modelo de negócios muda a cada nove anos, quase coincidindo com avanços tecnológicos significativos. Recentemente, o negócio de agências enfrentou um período particularmente tumultuado com o advento da web e do celular. Agora, a mídia social está causando outra mudança na forma como as marcas interagem com os clientes. Portanto, a agência está constantemente procurando inovar em torno das mudanças no comportamento do consumidor que resultaram de cada um desses interruptores de tecnologia.
A tecnologia é o verdadeiro agente de mudança. Isso causou uma mudança no comportamento do consumidor e forçou agências e clientes a repensar como comercializam para os consumidores. Os consumidores mudaram e adotaram novas ferramentas, e as agências foram forçadas a se adaptar. As agências precisam se reestruturar (em alguns casos, reduzir) e eliminar funções e camadas de infraestrutura que não eram mais relevantes. E então houve essa mudança sísmica. Agora, as agências precisam desenvolver áreas especializadas de conhecimento para lidar com os desafios de marketing que existem em muitas formas, desde dispositivos móveis até digitais na loja. Para as agências, há uma grande oportunidade, pois são poucas as agências que são capazes de fornecer experiências digitais de alta qualidade, online ou offline, de forma consistente em todos os seus escritórios.(Entrevista ao Indian Times em 21 de junho de 2011)
Muitos falam que o digital trouxe “a morte da criatividade”. já que as exigências para a eficácia das campanhas aumentaram, bem como a maneira de medir os efeitos delas. Você é daqueles que acreditam que a “melhor era” da propaganda já passou?
A “morte da criatividade” é uma narrativa contundente, especialmente para os loucos originais nostálgicos dos dias passados, como se a criatividade de repente evaporasse com o surgimento do navegador. Mas é uma narrativa falsa. Por melhor que fosse o topo da colina da Coca-Cola em 1971, as ondas de rádio sempre estiveram cheias de lixo porque a mídia paga permitiu que a indústria fosse preguiçosa e se safasse com trabalhos ruins. Não importava, já que éramos mantidos presos por nossos programas favoritos e os anúncios que apareciam dentro deles (sem nenhum gravador de vídeo digital ou controle remoto para pular os comerciais).
Mas o digital nos forçou a fazer coisas que interessam às pessoas. É por isso que mais de 100 milhões de pessoas foram ao YouTube para assistir ao vídeo épico Winner Stays da Nike, criado para a Copa do Mundo de 2014. Ou por que mais de 30 milhões de pessoas usam o Nike + como parte de sua rotina diária de exercícios. E esses são apenas dois exemplos de uma marca, abrangendo histórias e serviços. O storytelling está vivo e bem e está ao lado de uma infinidade de novos contextos que o digital descobriu para além de uma mensagem que interrompe as pessoas.
Acredito que estamos à beira de uma nova onda de criatividade que é alimentada pelo surgimento da era conectada. Passamos da simplicidade da era digital, definida como a web e a orientação da tarefa de visitar um site para “fazer algo”, para a complexidade da era sempre ligada, sempre conectada em rede, onde cada um de nós carrega uma infinidade de dispositivos digitais que estão constantemente conectados a uma gama cada vez maior de serviços digitais. Em breve, tudo estará conectado: nossas casas, nossos carros, até mesmo nossos corpos. Para o bem ou para o mal, a vida é navegada e mediada por uma série de telas de diferentes tamanhos e formas.
Os dados são a moeda da era conectada, e é nos dados que novas formas de criatividade irão surgir.
(Artigo publicado pelo The Guardian em 15 de junho de 2015 )
Talvez um dos cases mais legais da R/GA, e que mostra muito bem o uso de dados em prol da criatividade, seja o do Nike+, o aplicativo que já existia antes mesmo do iPhone existir! Conta para a gente o que aprendeu fazendo o Nike+…
O case Nike + deixa várias lições, entre elas que é possível pegar a tecnologia e aplicá-la para fins funcionais às necessidades dos consumidores, um insight tão simples quanto ser funcional e fazer o usuário pertencer a uma comunidade. Comprovamos que as pessoas acessam a web pelo menos três vezes por semana para interagir com o conteúdo, o que significa um engajamento muito alto, é várias vezes mais provável vender mais produtos para essas pessoas do que para alguém que não pertence à comunidade. Não surpreendentemente, a participação de mercado da Nike aumentou de 47 para 57% em um ano.
(…) No digital não se trata de uma ação que acaba, é preciso continuidade, é a formação de uma comunidade, uma noção de tempo prolongado.
Acho que campanhas hiperlocalizadas ou geolocalização vêm com força graças a dispositivos como GPS, digamos, a microlocalização de públicos e mensagens projetadas para se adequarem a eles. Acredito que a publicidade não termina nesse sentido, mas acontece menos em contar histórias do que em atingir os múltiplos canais pelos quais os consumidores hoje se movem com a maior eficácia possível. Para mim existe uma analogia com a indústria da música, a música não desapareceu, pelo contrário, hoje existe mais música do que nunca, mas é distribuída de forma diferente. A chave para a indústria, menos metáfora e significado mais útil do produto.
(Entrevista ao IAB Peru em 29 de setembro de 2012)
Uma outra discussão forte no mercado é com relação à entrada das consultorias de tecnologia no mundo da publicidade – a própria R/GA migrou para um modelo de consultoria, batendo de frente com a Accenture. Qual a sua opinião sobre o assunto?
Acho que os clientes estão dispostos a deixar as agências irem além para os negócios, mas acredito que a luta, às vezes, é para conseguir enxergar as relevância das agências como consultores. Eu acredito que será mais fácil para as consultorias oferecerem os serviços das agências. Eles são os experts em dados, tem parceiros de negócio ao redor do mundo, e são muito grandes, duas ou três vezes do tamanho de Holdings de agências. Talvez os clientes deem uma chance maior para as empresas de consultoria. Mas há uma parte que acho que será difícil para as consultorias: eles frequentemente não implementam o que falam, então eles terão que gerenciar aquisições baseadas em criatividade, o que é culturalmente muito diferente do negócio deles. E é algo que teremos que observar. (Entrevista ao programa de TV Reclame em 9 de maio de 2017)
Bob, já que todo mundo está buscando esse “Santo Graal” que é se transformar, quais são as lições que você aprendeu e que gostaria que outros aprendessem também?
Seja aquele que segura o nariz e pula do penhasco! Porque se você parar para escutar todo mundo, você não faz nada. Mesmo se você juntar todos os planos de negócio inovadores, a única forma que você consegue fazer a mudança acontecer é estar aberto à mudança.
Um dos pontos que sempre tentei seguir é: implementar um pouco antes da curva.. É difícil inovar. Mas mais importante do que ver as tendências e “fechar o nariz” antes de pular é implementar. Não me importo com o discurso, com o “talk”, me importo com o “walk”, com a implementação. Porque é nela que acontece a inovação. Existe um ditado que diz que os pioneiros acabam com poeira no rosto e uma flecha nas costas, mas é preciso se arriscar mesmo assim. Se você se arriscar, se você pula do penhasco segurando o nariz, você provavelmente vai acabar errando em alguns momentos. E isso é bom, contanto que você não esteja cometendo grandes erros. (Entrevista ao podcast da DMexco, publicado em 10 de junho de 2019)
Por último, o que te motiva a trabalhar?!
Escolhi o caos muitas vezes e sempre valeu a pena. Nunca olho para trás e estou sempre olhando para o que vem pela frente. Para mim, sempre há algo novo para inovar ou fazer melhor.
(Entrevista ao jornal argentino La Nación em 2 de novembro de 2015)