Ghost Interview

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Uma das áreas da Amazon que está batendo recorde atrás de recorde na quarentena não é, exatamente, a de e-commerce. Nem a de entregas. É a de streaming. Mas, não, também não é este streaming que está pensando. É um negócio bem específico: o serviço de lives de games e e-sports, o Twitch. Se você não é gamer ou não se liga neste mundo, tudo bem, o Ghost Interview desta semana é para você: falamos com o cofundador e atual CEO do Twitch, Emmett Shear. O assunto? Business!

E que Business! Para vocês terem uma ideia, só durante a quarentena, os usuários passaram 1,8 bilhão de horas no Twitch – isso por mês. É uma plataforma que chegou a 15 milhões de usuários ativos diários. Mas a história da plataforma é bem mais antiga, começou em 2011, quando Emmett e Justin Kan fizeram um spin-off do Justin.tv, serviço de streaming ao vivo. Em 2014, a Amazon desembolsou US$ 970 milhões pelo Twitch e, até alguns meses atrás, sempre colocou a operação da plataforma de maneira independente. Até que, na semana retrasada, eles acrescentaram o inventário da plataforma na Amazon Ads… Ou seja, vale mesmo a pena dar uma lida sobre o assunto:

MORSE: Emmet, antes do Twitch, você co-fundou o Justin.TV com o Justin Kan. Essa foi a primeira startup de vocês?

Emmet Shear: Não. Nos formamos em 2005 e nós criamos uma startup chamada Kiko Calendar. Era um tipo de Google Calendar, mas antes de existir o Google Calendar. A startup deu errado, e nós vendemos ela no eBay.

Foi exatamente assim, vendemos a startup toda num leilão no eBay. Nós conseguimos levantar uns US$ 258 mil.

(Entrevista ao Recode Media em 22 de novembro de 2018)

MORSE: Taí um jeito alternativo de se vender uma empresa! Conta um pouco do Justin.tv, o que era, exatamente?

Emmet Shear: Saindo da Kiko, nós continuamos querendo criar uma startup juntos. Tivemos algumas ideias ruins. E uma ideia particularmente ruim: fazer um reality show sobre a vida do Justin [Kan] . Basicamente, se você já conheceu o Justin, ele é um personagem, e pensamos que seria ótimo ter um reality show ao vivo 24 horas por dia, 7 dias por semana sobre Justin. E então eles ficam tipo, “Ótimo.”

Arrecadamos US$ 50 mil de Paul Graham para fazer isso. E trouxemos Michael e Kyle, nossos co fundadores, e lançamos um reality show ao vivo 24 horas por dia, 7 dias por semana, sobre a vida de Justin, que era tão interessante quanto você poderia imaginar. Acontece que as pessoas dormem oito, nove horas por dia. Elas simplesmente não são interessantes 24 horas por dia, e não tínhamos conversado com ninguém da indústria de reality shows, mas descobrimos que os reality shows são sobre edição. O segredo do reality show é pegar uma semana de conteúdo e editá-lo até os 20 minutos realmente interessantes.

Acho que levamos algumas semanas para perceber que esperar pelos momentos emocionantes não era suficiente para fazer as pessoas ficarem por perto. Por ter sido ao vivo, tinha um grande aspecto em que de vez em quando algo realmente empolgante acontecia na transmissão, e havia um desejo de deixá-lo funcionando e sintonizar quando essa coisa emocionante acontecesse.

Na verdade, descobrimos de várias maneiras que estávamos … descobrimos o que o Snapchat descobriu mais tarde, mas o Snapchat fez melhor que a gente, com o Snapchat, você apenas registrava os 30 segundos da coisa, quando o fato interessante estava acontecendo, e então você não teria o resto das 24 horas de vídeo chato. É algo que você compartilharia isso com todos os seus amigos por um curto período. As histórias eram brilhantes. Foi a parte divertida do Justin.tv, apenas condensada de uma forma que pudesse ser consumida por pessoas reais.

Nós dirigimos o show por cerca de três meses, talvez quatro meses.

(Entrevista ao Recode Media em 22 de novembro de 2018)

MORSE: Já que já tinham toda a infra do streaming pronto, vocês aproveitaram para colocar outras pessoas que quisessem entrar na plataforma para fazer que nem o Justin e publicar as vidas. Como, exatamente, surgiu o Twitch?

Emmet Shear: Eu amaria dizer que começamos o Twitch porque gaming era uma vertical melhor por razões de negócio. Essa seria a razão mais racional. Mas, de fato, nós começamos a vertical porque eu gosto de videogames. Esse era o principal conteúdo na Justin.tv que eu gostava de assistir.

(Entrevista ao podcast Mixenergy em 21 de abril de 2017)

MORSE: Acho que essa é uma boa hora para você explicar para gente o que é, exatamente, o Twitch?

Emmet Shear: O Twitch é um serviço para entretenimento multi-player. Ele abre espaço para os usuários verem o conteúdo juntos e interagirem na mesma hora.

A maior categoria é, obviamente, de videogames. Somos conhecidos por ter uma variedade de jogadores ao vivo de games.

(…)

No Twitch, é extremamente comum que os criadores de conteúdo, aqueles que estão jogando, usarem o chat para conversar com quem assiste, perguntando “o que eu devo fazer agora?”. E isso cria uma interatividade nos jogos. Eu acredito que, no Twitch, o chat é metade da diversão – é o que mantém as pessoas assistindo ou assinando os canais.

(Entrevista ao Recode Media em 22 de novembro de 2018)

MORSE: Antes de falar de modelo de receita, tem um ponto interessante que é como vocês saíram de uma plataforma tão generalizada para algo tão específico, principalmente com o público gamer que é bem exigente (a Apple está tentando entrar neste segmento com o Apple Arcade, mas tem levado um balão). O que fizeram para chegar no produto final?

Emmet Shear: Algo fundamental que criamos na Justin.tv foi a habilidade do usuário fazer um streaming de si mesmo, e isso era muito poderoso. Mas era difícil, para a gente, ir além deste mundo sem juntar certo feedback.

(…)

Quando acertamos que iríamos entrar no setor de games, a gente conseguiu justificar a entrada em termos de negócio, de certa forma. Já que sabíamos que existia um grupo grande de pessoas bem específico e com valor para publicidade.

Existia já uma indústria lucrativa em torno de abrir espaço para os gamers compartilharem suas experiências, ou aprenderem mais sobre o game, muitos espaços, desde o IGN até o Gamespot, no próprio Youtube, tinham muitos vídeos desse tipo. É um mercado grande.

(…)

Mas precisávamos conversar com os usuários que poderiam ser broadcasters dentro da plataforma. Conduzimos uma série de entrevistas por telefone, de 15 a 20 minutos, às vezes meia hora. Entrevistei pelo menos oito pessoas de cada tipo [de público gamer] para entender os padrões. Nessas entrevistas, perguntávamos coisas como: o que te motiva? Qual o seu objetivo no game?

(…) Depois destas entrevistas, nós criamos um grupo de features para o Twitch. Então voltávamos para essas mesmas pessoas com essas features, perguntando se faria sentido ou não colocar na ferramenta.

(Entrevista ao podcast Mixenergy em 21 de abril de 2017)

MORSE: Esse é um ponto interessante, vocês começaram pensando em quem iria divulgar, quem iria criar conteúdo, e não em quem iria vê-lo. Não teria de ser ao contrário?

Emmet Shear: Toda vez que você tem um mercado de mão dupla, você tem que decidir qual lado é mais importante. É mais importante ter compradores ou vendedores no eBay? É mais importante ter usuários que assistem ou que divulgam seu conteúdo no Twitch?

Nós decidimos que os broadcasters eram a ponta mais importante, porque eram eles que levavam os usuários para a plataforma. Enquanto o reverso não acontece. Mesmo se existem muitas pessoas que assistem, essas pessoas vão deixar a plataforma se encontrarem um conteúdo bom fora.

(Entrevista ao podcast Mixenergy em 21 de abril de 2017)

MORSE: Ou seja, apesar de você ter falado que a decisão inicial de começar o Twitch tenha sido basicamente por gosto, tem muito de uso de dados. Vocês investiram bastante na análise de dados, pesquisas quantitativas e qualitativas, quais são as questões que a análise de dados de vocês capta? Quais são os projetos que estão trabalhando agora?

Emmet Shear: É mais fácil de calcular coisas como o Liftetime Value (LTV) com os dados do passado. Para a gente, o maior desafio da análise de dados no Twtich é descobrir o LTV de novos usuários enquanto eles entram e entender como as mudanças na nossa plataforma impactam o LTV, é realmente nosso Santo Graal.

Recentemente, nós começamos a cavar em questões mais sofisticadas. Como acertar o cluster de espectadores para entender os tipos diferentes de hábitos de uso e de visualização do conteúdo de maneira agregada.

(Entrevista ao Data Science Weekly – não há data da publicação)

MORSE: Teve algum dado surpreendente dos usuários da plataforma?

Emmet Shear: Eu fiquei surpreso em descobrir o quão comum é para as pessoas assinarem a um canal apenas em um mês e depois pular para outro canal no mês seguintes. É um hábito comum entre usuários na nossa base.

(Entrevista ao Data Science Weekly – não há data da publicação)

MORSE: Você falou de assinaturas e é algo que devemos explicar aqui: no Twitch, os usuários podem optar por pagar por um canal de algum criador de conteúdo. Você também comentou sobre ads, e como isso foi pensado desde o começo do Twitch. O quão importante são as vendas de ads no modelo de receitas do Twitch?

Emmet Shear: É uma perna do banco. Temos uma série de “não-pagantes” [espectadores que não pagam assinatura ou fazem doações para a plataforma]; uma minoria de pessoas vão gastar na nossa plataforma num sistema como o Twitch, porque é mais uma “patronagem” do criador do que uma assinatura. Você não está assinando porque quer ter acesso ao conteúdo, mas porque quer apoiar a comunicada e fazer parte delas. Para isso há os ads.

Não é realista pensar que 100% dos usuários do Twitch vão pagar ou assinar canais. empre haverá uma grande quantidade de pessoas que usam o serviço de graça.

(Entrevista ao Hollywood Reporter em 30 de setembro de 2019)

MORSE: Daí que entramos na venda para a Amazon, lá em 2014. Por que venderam para a Amazon? É verdade que o Google também fez um bid por vocês?

Emmet Shear: Nós vendemos porque, em algum nível, era uma ofera boa e também porque a Amazon é uma das poucas Big Techs que consegue dizer, com credibilidade, que as aquisições continuam independentes. É só olhar o histórico da Amazon. Eles compraram o IMDB, e os fundadores continuam lá. Eles compraram a Audible, a Zapplos, e mantiveram as empresas separadas.

Nós não falamos sobre as negociações sobre a venda.

Mas posso dizer que, definitivamente, eu senti que tinhamos a escolha de vender para a Amazon. Nós poderíamos ter levantado investimentos, feito um IPO, poderíamos ter vendidos para outra empresa.

Desde então, tem tido muita sinergia com o Twitch Prime [uma extensão do Amazon Prime que dá mais features para o usuário].

(Entrevista à revista Fortune em 27 de outubro de 2018)

MORSE: Se vocês tivessem esperado um pouco mais, poderiam ter levantado um valor maior?

Emmet Shear: Provavelmente.

(Apresentação no Disrupt SF 2016, do TechCrunch em 14 de setembro de 2016)

Apesar de jogos como o Fortnite estarem fazendo um barulho junto de Big Techs, muitos ainda não veem este mercado como um espaço sério. O que você diz para essas pessoas?

Emmet Shear: Os jogadores costumam ser a vanguarda da exploração de novas tecnologias. Microcomputadores, por exemplo, foram usados no início para videogames, e os primeiros aparelhos digitais de mão de mercado de massa não foram celulares, e sim Gameboys, para videogames. E como resultado, um jeito de ter uma dica daquilo que o futuro nos reserva é olhar para esta divertida “caixa de areia” interativa de videogame e se perguntar: “O que os jogadores estão fazendo hoje?” E isso pode lhes dar uma dica sobre o que o futuro reserva para todos nós. Uma das coisas que já estamos vendo no Twitch é entretenimento multijogador chegando aos esportes. O Twitch e a NFL se uniram para oferecer futebol norte-americano ao vivo mas, em vez de apresentadores da emissora transmitindo o jogo usando terno, nós temos usuários do Twitch transmitindo em seu próprio canal, interagindo com sua comunidade, numa verdadeira experiência multijogador. Então, na verdade, acho que se olharmos para o futuro… Hoje apenas centenas de pessoas são locutores esportivos. É um número minúsculo de pessoas que têm essa oportunidade. Mas os esportes estão prestes a se tornar multijogador. E isso significa que quem quiser em qualquer lugar do mundo vai ter a oportunidade de se tornar um locutor esportivo, pelo menos tentar. E acho que isso vai revelar quantidades incríveis de novos talentos para todos nós. E não vamos perguntar: “Você viu o jogo?” Em vez disso, vamos perguntar: “Em qual canal você viu o jogo?” Já vemos isso acontecendo com a culinária, com o canto, até vemos transmissões de soldagem.

(TedTalk | TED 2019 – What streaming means for the future of entertainment)

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