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Quibi: o fracasso de US$ 1,7 bilhão

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Tem dias que falamos sobre cases de sucesso do mercado de inovação, como quando uma startup cria um app que muda o comportamento de um grupo de usuários ou quando há uma compra milionária (ou bilionária).  Hoje não é um desses dias. Hoje, amigos, hoje a história é de um fracasso de proporções bilionárias: vamos falar sobre o Quibi. Criado por Jeffrey Katzenberg, cofundador da DreamWorks, o aplicativo prometia unir os vídeos curtos e o mobile em um único serviço de streaming para criar “uma nova HBO, uma nova televisão” para a audiência móvel. Com essa ambição, o app levantou US$ 1,75 bilhão em funding liderada pela Madrone Capital Partners (que incluía alguns nomes como Time Warner e Alibaba)  e fechou, com antecedência, US$ 150 milhões de contratos em ads com marcas como Google, P&G e Pepsi para o ano seguinte. Logo no começo deste ano, eles informaram uma parceria com a operadora norte-americana T-Mobile para distribuição do app. O Quibi foi oficialmente lançado em 6 de abril, no tumulto da pandemia. E, nesta semana, em 20 de outubro, veio o anúncio assinado por Katzenberg e Meg Whitman Menos de seis meses depois do seu lançamento, o Quibi anunciou esta semana que está fechando e que irá devolver apenas 20 centavos por dólar investido. Mas, por quê? E o que podemos aprender com tudo isso?

Should you stay or should you go?

Nos primeiros 3 dias, o Quibi teve 830 mil downloads, nada mal para um aplicativo iniciante. E, nessas primeiras horas, a estratégia de focar em estrelas de Hollywood e de fazer uma parceria com a T-Mobile para distribuir o aplicativo parece que tinha dado certo. Nos primeiros dois meses, o aplicativo atraiu 4,5 milhões de downloads e 1,7 milhão de assinaturas, se continuasse nesse passo, eles chegariam à meta de 7,4 milhões de assinantes até abril do ano seguinte. Em julho, o balde de água fria veio em forma de uma taxa muito conhecida por quem trabalha em apps, a retenção. Segundo dados da Sensor Tower, 92% dos assinantes que entraram no período de free trial em abril cancelaram antes do período de pagamento. Ou seja, dos quase 900 mil que assinaram nos primeiros dias, só 72 mil ficaram. Os números embolam a partir daí porque executivos do Quibi questionaram os dados da Sensor Tower, mesmo assim, em agosto (só em agosto, para falar a verdade) eles começaram a pensar num modelo freemium; e já em agosto, eles comentavam que diminuíram o target para número de assinantes do final do ano para 3 milhões. Nessa mesma época, começaram os rumores de que Katzenberg estava tentando vender parte do aplicativo para Apple e Warner. 

Culpa do vírus

A história do fracasso do Quibi, como a maioria dos erros nos negócios, é multifatorial. E começa com o vírus. Não, não esse que você está pensando. Por mais que o aplicativo tenha sido, de fato, lançado durante o começo da pandemia do Coronavírus – lá em abril (aproveitando o ensejo para dizer: vocês lembram de abril?), o Covid não foi exatamente o vilão aqui, até porque, os competidores do Quibi, como Netflix, Disney+ e TikTok viram um aumento no número de usuários no período mais duro da quarentena. O vilão foi outro. Foi a viralização. Ou melhor, a falta dela. Nas primeiras semanas do app, não havia botão de compartilhamento nos vídeos e os usuários eram impedidos de tirar print da tela, ou seja: não havia forma de se criar memes ou dividir gifs dos programas internet afora. Vocês podem achar algo pequeno, mas permitir que os conteúdos proprietários se tornem memes é algo que a Netflix faz (e que dá certo, pensem no que aconteceu com Birdbox), pois há um entendimento de que o usuário móvel quer mais do que apenas assistir algo, quer também interagir com esta informação. Para um serviço que apostou em um catálogo proprietário de séries e filmes, esse não foi um movimento inteligente e já mostrou que, de alguma forma, havia uma desconexão com o que os usuários procuravam num app de streaming. 

All Stars

Há quem diga que as opções de shows apresentadas no Quibi também foram um fator que contribuiu para o fracasso. Não queremos discutir aqui qualidade técnica, mas as opções de conteúdo. Comandado por Katzenberg que é um figurão do cinema (ele já produziu Rei Leão e Shrek, inclusive), o aplicativo apostou em Hollywood, atores como Idris Elba, Chrissy Teigen, Anna Kendrick e até mesmo as Kardashians foram chamadas para produzir para o Quibi. Além de contar com projetos de diretores como Steven Spielberg e Guillermo del Toro. Foram 50 shows originais lançados de uma vez, tinham mais 125 na fila. Nem mesmo a Disney apostou em lançar tantos shows originais de uma vez só no seu streaming. Logo que lançou o Disney+, a companhia colocou ali algo em torno de 10 conteúdos originais junto com o seu longo catálogo, tudo isso para testar as águas do tipo de série e filme que faz sucesso com a audiência daquele canal. Segundo a CEO do Quibi, Meg Whitman, alguns shows tinham o budget de “US$ 100 mil por minuto”, e que essa era a aposta do aplicativo, ter uma “qualidade de Hollywood”. A estética é a preferida pela audiência Mobile? O YouTube – cujo maior influencer, o canal PewDiePie tem mais de 100 milhões de assinantes; o Twitch e o TikTok mostram que, nem sempre, a produção mais cara é a que ganha os plays do usuário. 

Comment this…

Não havia no Quibi possibilidade alguma de interação não existia feature de comentário; nem de ver o que os amigos estão assistindo, como existe no Spotify; ou de ver junto com os amigos; muito menos a possibilidade de passar os vídeos para a televisão – ou para o ChromeCast. Ou seja, é um app que não permitia a “segunda tela”, fenômeno que acontece quando alguém assiste a algum programa e comenta sobre ele ao mesmo tempo em outros meios. A tal “segunda tela” tem dado um boost para a televisão ao vivo e também é um fator que ajuda no live commerce – que já falamos por aqui que é uma tendência. Por ser um aplicativo, e só um aplicativo  não ter essa feature de conversa afasta os usuários de continuarem engajando com os vídeos. 

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O maior investimento que o Quibi fez em termos de tecnologia proprietária foi em criar o Turnstyle tech, um sistema capaz de acompanhar a imagem do vídeo quando o usuário vira o celular. Foi algo pensado não só nas narrativas criadas para os shows do aplicativo, como também na forma que os usuários assistem a vídeos no celular. Logo eles perceberam que virar o celular para ver um conteúdo não é um incômodo para a audiência e o que as mantém no aplicativo é um outro tipo de tecnologia – que o Quibi não tinha: o algoritmo de recomendação. Para um app que começou apostando alto em shows próprios, com um catálogo ao mesmo tempo pequeno (pensando em comparação com todos os outros apps de vídeo) e grande (pensando em comparação a investimento feito), não ter um algoritmo que personaliza a página principal, nem entende os hábitos dos usuários e é capaz de recomendar algo novo, não ajuda em manter a atenção das pessoas que já estão dentro do app. Afinal, o que mais ela pode assistir? O que mais há de interessante ali?

Not that Quick

A explosão de usuários que o TikTok teve nos primeiros seis meses de 2020 (foram 80% a mais de downloads do que em 2019, ou mais de 350 milhões!) mostrou que uma das teses do Quibi não estava errada: a audiência Mobile está migrando para formatos em vídeo mais curto. Mas o quão curtos são os vídeos?  No TikTok e no Snapchat, os vídeos podem ter no máximo 1 minuto; no Reels, do Instagram, são 30 segundos; o YouTube, como sabemos, permite uma série de formatos e tamanhos em vídeo, mas sabemos que, em 2019, os principais canais do YouTube tinham um tempo médio de vídeo de 12 minutos. Ah, aí colocamos um outro dado: o usuário Mobile do YouTube assiste a 60 minutos de vídeos por sessão. Já a Netflix olha mais para o “binge” do que para o tempo do episódio, por aqui você pode ver que para maratonar uma série da Netflix, em média, demora três dias.  Nesse sentido, a aposta de Katzenberg foi na duração entre 6 e 10 minutos, o que colocou os conteúdos numa “zona cinzenta” para a audiência: não é um vídeo tão curto para se assistir rápido “na fila do café” – como os próprios executivos do Quibi haviam comentado, mas também não é grande o bastante para se maratonar como uma série. 

Miss the target

Talvez o ponto mais complexo de se analisar do Quibi, e para muitos analistas foi essa a razão do fracasso bilionário, está na própria proposta do aplicativo, que não ficou clara. Não era claro para que tipo de audiência eles estavam criando, muito menos qual tipo de tempo e atenção eles iam fazer o usuário investir. Repetidamente, Katzenberg e Whitman falaram que não estavam competindo com a Netflix, nem com o YouTube, muito menos com o TikTok (aplicativo este que Katzenberg desprezava). Mas, se eles estavam no jogo de chamar atenção do usuário para ficar em um app de vídeos, a realidade é que eles estavam competindo com estes todos. Os executivos do Quibi contavam que as pessoas assistiriam à programação do app todos os dias, como já fazem com a televisão, sem ver que não é a televisão o maior competidor de um serviço de streaming, são todos os outros aplicativos instalados no celular da audiência. Esse não é um jogo fácil de se ganhar, temos falado muito por aqui sobre como diversos setores – incluindo aí o varejo – estão tendo que diversificar os serviços e as ofertas dentro do aplicativo para poder reter a atenção já dividida do usuário. E isso é falando de aplicativos de graça, imagina quando colocamos o fator “assinatura mensal” nesse bolo: precisa valer muito a pena para o usuário criar o hábito.  Lá em 2017, Reed Hastings, da Netflix, respondeu à pergunta “qual é o seu maior competidor?”, respondendo que era o sono. Já que eles queriam a atenção do usuário, e que este era o maior tempo que ele passava sem olhar para um serviço de streaming. Até isso o Quibi deveria ter colocado na conta. 

All In

Na carta aberta ao mercado publicada nesta semana, Katzenberg e Whitman afirmaram que o Quibi tentou de tudo e “esgotou suas opções”.  Para o mercado e para os investidores, a sensação é outra, já que se passaram apenas seis meses do lançamento do aplicativo. No segmento de tecnologia não é incomum que aplicativos lancem features aos poucos e mudem o serviço de acordo com a aderência do público. Para dar um exemplo brasileiro, o Gympass passou de B2C para B2B depois de alguns meses porque receberam uma proposta para ser o serviço de um RH de empresa grande. Isso tudo aconteceu com a operação rolando. O Quibi investiu muito de uma vez só e, na hora de manobrar, já estava grande demais para o pivot – ou seria “imóvel” demais num mundo móvel. Um dos investidores do app, Anis Uzzaman, da Pegasus Tech Ventures, falou ontem ao Business Insider que gostaria que o Quibi “tivesse lutado mais”. “Essa companhia era para ser uma junção de Hollywood com o  Vale do Silício. Só agora eu percebo a importância que é para uma empresa [de tecnologia] ter experiência em startups”, completou Uzzaman. 

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