Multifoco ou perda de foco?

Quem nunca ouviu, ainda jovem, a pergunta “O que você quer ser quando crescer?” E quem nunca respondeu essa pergunta com uma lista interminável de sonhos e aspirações? De astronauta a médico, passando por artista, esportista profissional e engenheiro? Na infância, nossa imaginação é ilimitada e nos permite sonhar com múltiplas possibilidades. Mas, por que essa visão de um futuro multifacetado se perde quando chegamos à vida adulta? O livro “One Person / Multiple Careers” de Marci Alboher nos mostra que podemos, sim, manter essa diversidade de interesses e transformá-los em realidades profissionais simultâneas. O conceito de múltiplas carreiras, embora tenha sido introduzido em 2007, se torna ainda mais relevante nos dias de hoje com a alta digitalização e o fluxo constante de informações e conteúdo em tempo real.

Geração Slash 

O livro introduz a ideia de “slashes” (barras), que descreve indivíduos que combinam múltiplas carreiras em suas vidas, como “advogado/escritor” ou “médico/músico”. No caso de 2024 podemos citar médico/creator, empresária/podcaster, e por aí vai… Essa abordagem desmistifica a ideia de que devemos nos limitar a uma única profissão (ou posicionamento) e nos encoraja a abraçar nossas diversas paixões e habilidades. No mundo tão conectado que estamos vivendo, essa multiplicidade se tornou ainda mais fácil pelas plataformas digitais, tanto para desenvolver novas habilidades quanto para gerenciá-las e compartilhá-las. Tem sido cada vez mais comum encontrarmos empreendedores que também possuem seus canais de conteúdo, profissionais da saúde se tornando professores digitais, e muitos profissionais de grandes corporações mostrando seus talentos em outras áreas em suas redes – e gerando negócios e conexões. 

Multi-task

As profissões que antes eram vistas como exclusivas agora podem coexistir harmoniosamente (quando bem geridas, é claro). Por exemplo, um desenvolvedor de software pode também ser um influenciador digital, aproveitando sua presença online para compartilhar conhecimentos e gerar renda adicional. Um professor pode oferecer cursos online enquanto trabalha em uma pesquisa acadêmica. A capacidade de integrar múltiplas carreiras é facilitada pela disponibilidade de recursos digitais que ampliam as oportunidades e conectam profissionais a mercados globais com diversas soluções digitais para otimizar essa jornada.

Além do cargo

Com esta movimentação, os profissionais estão entendendo cada vez mais a importância e possibilidade de se posicionarem para além de seus cargos, e as empresas estão de olho nisso. Vemos cada vez mais colaboradores se tornando criadores de conteúdo – e influenciadores – nas redes sociais, potencializando a comunicação das empresas em que atuam. Isso não só se torna um diferencial para o próprio profissional, como também para as empresas.

Um colaborador que cria conteúdo próprio a respeito de uma temática que tem conexão com a empresa em que atua pode ativar a marca em seus conteúdos e posicionamento. Esta relação poderá permitir mais uma relação de troca entre a empresa e o colaborador – indo além do “job description” do cargo. E é claro que isso pode trazer muitos benefícios mas também alguns desafios. 

Os “poréns”

Essas possibilidades de carreira, dentro ou fora da empresa, trazem novos desafios e impactos nos negócios. Do ponto de vista do profissional, gerenciar múltiplas carreiras exige habilidades excepcionais de organização, tempo e gestão de tarefas. Profissionais precisam aprender a equilibrar diferentes responsabilidades sem sacrificar a qualidade ou a eficiência. Do ponto de vista das empresas é preciso uma mudança, seja de posicionamento ou até mesmo de estrutura, afinal, ambos (empresa e colaborador) precisam deixar claro essa relação de troca e multiplicidade de carreira. Na pandemia são vários os casos de profissionais que adotaram o conceito e multiplicaram suas carreiras, mas a falta de transparência e organização fez com que algumas empresas não vissem com bons olhos essa relação (e vice versa). 

Diante de um cenário no qual a inteligência artificial generativa surge substituindo muitas atividades do nosso trabalho e tornando mais rápidas nossas entregas, com plataformas tecnológicas tornando mais eficiente os processos, surge a provocação: Como podemos estruturar nossas empresas, forma de trabalho e sistemas educacionais para apoiar essa nova realidade multifacetada? Talvez seja necessário repensar o conceito tradicional de jornada de trabalho “monofocada”, adotar modelos mais flexíveis que permitam a combinação de diferentes carreiras e criar relações de trocas transparentes para além da descrição do cargo. E para os profissionais, a chave está em identificar suas paixões e habilidades e encontrar formas de integrá-las de maneira harmoniosa em suas vidas. Afinal, a possibilidade de ter múltiplas carreiras não é apenas uma tendência, mas sim uma oportunidade para criar uma vida profissional mais rica e satisfatória, entendendo que ser multi-carreira pode ser o seu foco, e não uma perda de foco.