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Ghost Interview

O Outro Jeff da Amazon

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Ele é C level da Amazon, se chama Jeff e para ele, a vontade do consumidor é algo sagrado. Poderia ser Jeff Bezos, mas estamos falando de Jeff Wilke, o CEO da divisão de consumo da gigante do e-commerce. Na semana passada, Wilke anunciou que irá se aposentar em 2021, o que garantiu a ele uma passagem direta para o Ghost Interview da semana.

Wilke, que está na Amazon desde 1999, foi o principal responsável por “colocar ordem” nos centros de distribuição da empresa, transformando-os no que conhecemos hoje por “fulfillment centers”. Além disso, pela sua mão passou colocar em pé e andando (e depois correndo) a Amazon Prime, sem contar na compra do Whole Foods. Segundo Jeff Bezos, sem o Jeff (Wilke), a empresa seria “irreconhecível”. Já está curioso? Que bom, segue o Ghost 😉


Jeff, você é formado em engenharia química e, antes da Amazon, tinha trabalhado na – agora – Honeywell, BEM diferente de um e-commerce. O que aconteceu quando entrou no CD da Amazon logo que chegou?

Eu fiquei fascinado ao entrar nos “fulfillment centers” e escutar a linguagem do varejo, dos centros de distribuição e da entrega, coisas que não entendia. O que eu via ali era uma fábrica. Tudo o que tinha feito no mundo da manufatura tinha analogias claras neste mundo [dos CDS].(Reportagem do Recode em 3 de maio de 2019)

Nos primeiros anos, você estabeleceu o FastTrack, uma metodologia de eficiência para os processos dentro dos Centros de Distribuição da Amazon que diminuiu o tempo entre a chegada do pedido até a saída da mercadoria do CD – em alguns casos a queda foi de um dia para algumas horas. Como conseguiu trazer essas mudanças?

Eu abordei isso de uma maneira bem sistemática, que é o jeito que tinha aprendido sobre os processos de montagem e manufatura nos últimos 16 anos. Uma dessas abordagens sistemáticas significava ir até os centros e, algumas vezes, significou também trabalhar nesses espaços, empacotar mercadoria. Eu passei uma semana indo em CDs diferentes para entender formas de deixar a operação de preencher e entregar os pedidos mais rápida.

Em uma época de Natal, eu e Jeff [Bezos] viajamos para o Kentucky, onde ajudamos a empacotar cadeiras dobráveis, o que levou mais de 20 minutos. Depois que fizemos três ou quatro dessas cadeiras, nós perguntamos se era assim que os colaboradores tinham que fazer sempre, e eles responderam ‘sim, é bem estúpido, né?”. Nós voltamos e lançamos um programa chamado ‘Get the CRAP out’, CRAP significava “can’t realize any profit” [em português: não realiza lucro algum] e o que fizemos foi olhar os itens do inventário que não estavam dando lucro, se a gente não descobrisse uma forma de torná-lo lucrativo, nós tirávamos do inventário. No caso das cadeiras, conseguimos falar com os fornecedores para que eles começassem a pré-embalar os produtos antes de enviá-los aos CDs. Ou seja, o problema sumiu. (Entrevista ao MIT Tech Review em 15 de outubro de 2007)

Em um ponto, vocês passaram de apenas analisar para dar insights sobre a distribuição. Já em 2002, o sistema de vocês conseguia dar indicações claras para os usuários da Amazon: “se você quer que o produto seja entregue daqui a dois dias, compre nas próximas 3 horas” e isso abriu espaço para o Prime. Quais dados você olhou para conseguir transformar o sistema?

Eu pedi aos gerentes das instalações no final de cada dia que me enviassem um e-mail para descrever por que perdemos cada remessa perdida. Cada um deles. Fizemos isso por quase um ano para garantir que os processos funcionassem e, então, estávamos confiantes em lançar o serviço do Prime [que, no começo, contava com a entrega de dois dias úteis] externamente. (Reportagem do Recode em 3 de maio de 2019)

Tem um ponto bem interessante sobre a sua jornada na Amazon que é o jeito que olhou para os dados desde o início. Em uma entrevista lá do começo, você falou que cada produto que adicionavam na lista da Amazon vinha a partir de uma análise. Qual a sua visão sobre “ser” data driven? 

Eu chegava a olhar 300 gráficos por semana apenas da divisão de customer service e dos CDs. Na maioria das decisões, você pode fazer as contas e descobrir a resposta correta, e as decisões baseada em dados sempre superam as baseadas em opinião e julgamento. O problema com a maioria das empresas é que elas tomam decisões baseadas em julgamentos quando decisões baseadas em dados podem ser feitas.(Entrevista à CNN Money em 26 de maio de 2003)

Falando em dados, a Amazon tem uma metodologia bem própria para lançar novos produtos. Alguns chamam de “estratégia reversa” ou “produção de trás para frente”. Conta para a gente o que é ela, exatamente.

Nós sempre pedimos para que novos produtos ou serviços sejam apresentados a partir de um press release todo escrito, a pessoa precisa escrever uma manchete e um release de como ela gostaria que o produto estivesse quando lançado. É um jeito de visualizar as coisas que queremos construir. (Apresentação na Universidade de Seattle reportada pela GeekWire em 13 de maio de 2015)

São esses os tais “documentos de seis páginas” que o Jeff Bezos exige antes das reuniões, certo? No Ghost Interview com o Bezos, ele comentou sobre como prefere que as apresentações sejam feitas por escrito e via storytelling, não a partir de PPT. Sabemos que foi por esse meio que serviços como a AWS foram colocados em produção na Amazon, mas, o que tem exatamente esse press release?

Existe uma área de FAQ dos documentos, com algumas perguntas e respostas básicas sobre o produto a ser lançado. Esses são documentos vivos, as FAQs são revisadas. Nós periodicamente comparamos os documentos aos originais para ter certeza que eles não estão indo em direções opostas.

Algo perto de 50% desses press releases acabam progredindo dentro da Amazon. Mas quase nenhum deles, quando são revisados por alguém que poderia alocar os recursos, obtém um ‘sim’ na primeira tentativa. Portanto, uma das melhores coisas sobre esse processo é que a iteração e o refinamento tornam esses documentos muito mais nítidos. Nós apenas financiamos coisas que podemos articular com clareza. (Entrevista à revista Forbes em 8 de agosto de 2017)

Uma pergunta sobre “as perguntas”, além de todos os pontos voltados para o cliente, quais são as questões que as FAQs precisam responder?

Nós temos sempre algumas perguntas a responder: quão grande é a oportunidade? É grande o bastante para importar para uma empresa do tamanho da Amazon? É uma proposta que pode ter sucesso? Porque trabalhar em coisas grandes que não temos chance de ter sucesso por falta de habilidades ou ativos é uma grande perda de tempo. E, se tiver sucesso, vai valer a pena?(Entrevista ao blog da Amazon publicada em 14 de agosto de 2018)

O que entra em outro ponto dentro de todo esse processo “às avessas” de inovação da Amazon, que é como é feita a decisão, você costuma falar em favor da “decisão de mão dupla”, o que ela quer dizer? 

Quando a decisão é apenas em mão única, se você não gostar do que vê do outro lado, não pode voltar ao estado inicial. Uma decisão de mão dupla é uma que você pode ir até o ponto do resultado e voltar ao estado de antes. Essas decisões são reversíveis e nós encorajamos que os colaboradores façam elas. Por que precisaríamos de uma aprovação de peso para um processo de mão dupla?(Apresentação na Universidade de Seattle reportada pela GeekWire em 13 de maio de 2015)

Se a decisão é reversível, nós preferimos que as pessoas tomem o risco, e a aprovação é mais rápida [dentro da empresa]. Quando são decisões não reversíveis [como a compra de uma companhia], existe mais ponderação. Nós discutimos os méritos de qualquer decisão que estamos tomando.  (Entrevista ao Wall Street Journal em 11 de outubro de 2017)

Em algum momento você discordou de alguma decisão grande relativa à Amazon?

Quando estávamos decidindo se deveríamos ou não fazer o Kindle, o Jeff [Bezos] apresentou a ideia ao conselho. Na época, eu discordei. Falei que éramos uma empresa de software no varejo e que não sabíamos nada de hardware. Eu tinha vindo de empresas que fabricavam hardware, sabia que seria complicado. E eu falei abertamente: “não acho que deveríamos fazer isso”. Previ que as margens seriam difíceis, que nós não conseguiríamos lançar na data certa. Na época, Jeff afirmou que era “o certo a se fazer pensando nos usuários”. Eu discordei e me comprometi, e eu sou grato por ter feito isso.

Uma vez que tomamos a decisão, nós seguimos em frente. Temos muitas oportunidades de inventar para os usuários. Todos nós erramos várias vezes. (Entrevista ao Wall Street Journal em 11 de outubro de 2017)

Dentro dos famosos 14 princípios de liderança da Amazon, “discordar e se comprometer” é um deles, não?

Sim! Um dos principais. No final, eu não errei nas minhas preocupações. Mas o Jeff ainda acertou em bancar essa decisão. 

(Entrevista à revista Forbes em 8 de agosto de 2017)

O que nos leva a um outro ponto que fala diretamente da cultura da Amazon, e da cultura da inovação de maneira geral, que é a liberdade para falhar. Como vocês conseguem apoiar essa cultura? E, mais importante, divide com a gente alguma falha sua dentro da Amazon!

AWS, Marketplace e Prime deram certo. Tudo que vira escalável acaba pagando várias falhas. 

A ideia que eu apostei e não foi da forma que imaginava foram as “zshops” [um produto da Amazon onde grandes conglomerados podiam setar lojas próprias no site da empresa], foi um grande aprendizado para mim pois descobri que existem becos sem saída de tráfego. Os usuários entravam na Amazon e não achavam as z-shops, eles apenas procuravam o produto que queriam comprar na própria Amazon. O que funcionou foi quando as empresas começaram a listar os seus itens junto da nossa busca, foi aí que começou a dar certo e o serviço entrou no ciclo virtuoso. Eu diria que foi uma grande surpresa para mim que esse modelo de marketplace decolou. (Apresentação no Virtuous Circle da Internet Association em 5 de janeiro de 2017)

A Amazon está presente em várias verticais, principalmente após a compra do Whole Foods – que você ajudou a fechar. Como vocês operam tantos negócios de uma vez só? 

Tentamos criar single threaded teams. Depois que os press releases são criados e a ideia aprovada, a gente designa uma pessoa para cuidar deste “produto”, e essa pessoa recruta outras para apoiar a criação e produção deste “produto” ou serviço, e, com o tempo, esse time vai ficando cada vez maior. Esse time trabalha apenas naquele produto. E se a gente consegue manter esses times independentes, nós podemos focar mais a energia em várias verticais, nosso fôlego fica muito maior. O nosso independente significa quase como a divisão organizacional dos APIs num software e o “single-threaded” significa que eles não trabalham em mais nada, focam apenas no produto que estão trabalhando. Descobrimos que o “líder” destes times trabalha melhor quando não precisa se preocupar com todas as outras áreas da empresa quando acorda de manhã. A pessoa que lidera a Alexa não pensa em nada além da Alexa, se esta pessoa ficar distraída pelos números do Kindle, ou da AWS, eles têm menos tempo para focar e menos tempo para notar aquilo que pode aperfeiçoar no seu produto/serviço. 

(…) A maneira que vemos, estamos procurando inventar para o cliente, e, às vezes, isso leva à disrupção. A disrupção, por sua vez, acontece quando os usuários escolhem uma forma diferente de interagir, quando optam por uma tecnologia diferente, ou algo que eles preferem. Mas não estamos focando nisso. Existem alguns modelos de negócio que focam em conquistar, o nosso não é esse. Nosso foco é ser pioneiro. (Apresentação no Fortune’s Brainstorm Tech 2017 em 18 de julho de 2017)

Não podemos negar que existem implicações em ser uma empresa do tamanho da Amazon…

Eu entendo que somos grande e que merecemos o exame minucioso. Tudo que é grande na economia e na sociedade merece passar por esse tipo de escrutínio.

Estamos em cada uma das verticais, o problema quando você pensa na gente [na Amazon] é que estamos em muitas verticais, sim. Tem vídeo, tem comércio e web services, e tudo. Mas em cada um deles, temos uma competição intensa, e não somos exatamente o maior deles. Existem grandes players globais que estão competindo com a gente. A ideia de que o varejo online é diferente da marca física é algo que não entra na minha cabeça, estamos longe de ser o maior varejo, estamos competindo contra o Walmart, a Target, o Costco, o Carrefour, a Alibaba e a TMall, e todos os tipos de varejistas que estão, hoje em dia, vendendo nos ambientes digitais e físicos. Existem poucos que estão apenas no online ou físico. Em cada vertical, há competição intensa, eles são globais, não dominamos todas essas áreas. No meu entendimento, se nós tivermos sorte e cuidarmos dos usuários, nós iremos merecer continuar em cada uma das verticais. Eu entendo quando você está em tantas verticais, parece que estamos em todo lugar. Mas para estar em todo lugar mesmo, a gente teria que dominar a economia global e ela é muito vasta. Somos apenas um grão.(Entrevista à norte-americana PBS em 18 de setembro de 2019)

Pergunta final, e essa vai durar por alguns meses, já que você já anunciou que irá se aposentar no começo do ano que vem. Como é ser o segundo Jeff mais poderoso da Amazon?

Tem sido uma honra. Mas devo dizer que, algumas vezes, já aconteceu das pessoas da sala ficarem um pouco decepcionadas ao me verem porque elas escutaram que “o Jeff vai participar da da reunião”.(Entrevista ao Wall Street Journal em 10 de outubro de 2017)

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