Ryan Abbott, professor de direito da Universidade de Surrey, resolveu entrar com um pedido de patente por duas invenções aparentemente inofensivas. Mas não era em seu nome, muito menos de seus colegas: era em nome de Dabus. Quem é Dabus? Um sistema de inteligência artificial. E a caixa de pandora do Black Mirror se abriu.
Ciclo interminável
O pensamento mais lógico traria a gente para a seguinte resposta: o dono da patente será aquele que criou o código inicial do algoritmo. A questão é que o mundo da AI é muito mais complexo que isso, já que por meio de técnicas como deep learning, os algoritmos são capazes de criar seus próprios programas – e criar novos designs que os programadores iniciais nem imaginavam ser possíveis. Ou seja, no final, quem fez, de fato, a invenção não foi nenhum dos humanos, mas o programa em si. No caso de Abbott, inclusive, há o diferencial: os programadores do Dabus nada sabiam sobre os produtos que ele acabou inventando. Para Abbott, isso significa que, bem, os humanos não deveriam ser donos desse produto final.
Eureka!
A partir de técnicas como deep learning e as tais “redes neurais”, a AI tem ficado cada vez mais parecida com o pensamento humano. Capaz, inclusive, de ser imprevisível – como todos nós. Mas não só isso, a IA está chegando a um ponto que consegue ser imprevisível, criativa, independente, autônoma, racional, sempre evoluindo, capaz de reter dados e comunicá-los, ou seja, exatamente como a inteligência humana (e a tendência é que fique ainda melhor, a tal da singularidade). Isso não deve ser um choque para vocês que acompanham o MORSE, afinal, a gente vive falando de livros, músicas e até mesmo bebidas que algoritmos criam. Abbott então não está muito louco de questionar a lei, afinal, se ela pode criar, por que não pode ser dona ou se responsabilizar pela invenção?
Admirável Mundo Novo
Uma parada para falar de negócios, lógico: Abbott afirma que abrir essa brecha para AI nas regras de patente pode fomentar a inovação e até mesmo proteger mais as companhias, A gente do MORSE começa a pensar no impacto disso no mercado, e, temos mais perguntas do que respostas. Afinal, a gente sabe que está rolando uma “guerra de AI” entre as maiores empresas do mundo (especificamente as norte-americanas e as chinesas), cada uma atrás do maior número de profissionais especialistas nos assuntos, mas e quando essa busca chegar nos algoritmos em si? Será que as companhias poderão comprar os sistemas umas das outras? E, se tais sistemas forem donos de alguns produtos, qual seria o valuation? Será que chegaremos a um ponto em que um algoritmo vai valer mais do que uma empresa inteira?! O que isso pode significar para startups e companhias iniciantes no mercado, afinal de contas? Se você for capaz de programar uma AI boa o bastante, com dados o bastante, seu poder de inovação – medido pela quantidade de patentes – aumentará exponencialmente mesmo? E entra uma outra dúvida sincera: o que pode acontecer com as Big Techs, já que elas detêm grande parte de sistemas de AI? Será que isso pode blindar a inovação das pequenas e novas entrantes no mercado, já que elas poderão delimitar o território das patentes por meio de seus algoritmos? E se dois sistemas de AI chegarem ao mesmo produto? Como será analisado o plágio?!
Lei-Robô
Apesar de ter negado a patente para o Dabus, a Comissão Europeia está de olho em criar regulamentações para o uso ético de inteligência artificial. No ano passado, eles lançaram uma orientação oficial sobre o desenvolvimento desses tipos de sistema, além disso, eles estão considerando criar uma lei – uma GDPR, só que para AI. Inclusive, há uns dois anos, a Comissão Europeia levantou a possibilidade de originar o termo “personalidades eletrônicas” – sim, isso mesmo, personalidades de robôs e afins – para poder acrescentá-los em leis. Tal discussão acabou em, bem, nada direto: a maioria negou a existência do termo. O incômodo e as perguntas, no entanto, continuaram a reverberar no mundo legal da tecnologia.
Apenas uma ferramenta?
Na raiz desta discussão toda está uma ainda mais complicada afinal, a tecnologia é ferramenta da mudança da sociedade ou ela é a mudança da sociedade em si? E se ela é capaz de transformar a forma com que vivemos, ela não tem que, pelo menos, ser colocada como contribuidora para as invenções? Para Abbott, talvez a solução seja essa: não exatamente dar aos robôs o total poder de autoria, mas, pelo menos, reconhecer que a AI é mais do que “um mero software”, que ela é um contribuidor ativo às criações. “A sociedade precisa resolver isso o mais cedo possível”, comentou Abbott.