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Hacking Life

A cultura do imediatismo com menor esforço

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Se você perguntar para uma criança qual super poder ela sonha em ter você com certeza vai ouvir respostas relacionadas à desafiar as leis da física e da gravidade; voar, enxergar através de objetos, super força e muitas outras fantasias inspiradas em desenhos e filmes. Mas e se a mesma pergunta for feita para um adulto? 

Provavelmente a resposta estará relacionada a três “indicadores” que vivem nos desafiando e gerando ansiedade: tempo, eficiência e realização.

Vivemos uma era na qual a análise de tempo é complexa e contraditória, já que sentimos falta de tempo para as atividades importantes enquanto gastamos tempo com futilidades, e isso acaba gerando a sensação de que não temos tempo para atingir o que buscamos. Para piorar, nos dias de hoje, o que buscamos não é mais um planejamento realizado em algum momento com objetivos claros e definidos e com prazos estabelecidos. 

Graças às redes sociais, tanto as pessoais quanto as profissionais, nossos objetivos não são mais absolutos, mas sim relativos, baseados em comparações com pessoas e profissionais que mal conhecemos ou temos a clareza se sua história, jornada ou mesmo veracidade. Tentar “resolver” essa falta de tempo ao mesmo tempo que se busca realizações pautadas pelo sucesso de terceiros tem alimentado cada vez mais a cultura de tentar “hackear a vida” e buscar os super poderes e shortcuts para as realizações e sucesso.

Hacking Life

O conceito de “hackear” a vida existe há muito tempo. Lá em 1995 surgiam os primeiros e icônicos sistemas de ginástica em vídeo (VHS), que prometiam resultados rápidos. Um dos mais conhecidos foi o “8-Minute Abs”, que fazia parte de uma série de vídeos de exercícios de curta duração, voltados para quem buscava resultados rápidos e eficazes, em casa, e sem a necessidade de equipamentos. O conceito se tornou um fenômeno, sendo amplamente replicado e marcando o início de uma tendência de “quick-fix fitness”. Na sequência vieram os hacking da alimentação, com os shakes de emagrecimento, e na sequência muitos os produtos e serviços surgiram com o mesmo conceito: menor esforço, menor dedicação de tempo e maiores resultados.

Porém, agora, com o avanço da tecnologia e da inteligência artificial, essa mentalidade foi catapultada a outros patamares e para praticamente todas as áreas da vida — das finanças à evolução profissional e ao desenvolvimento emocional. As pessoas querem resultados concretos, querem agora, e com pouco tempo e esforço dedicado.

A Evolução do “Life Hacking”

No livro “Hacking Life: Systematized Living and Its Discontents”, o autor Joseph M. Reagle Jr. explora essa cultura de otimização e eficiência extrema. Segundo ele, “a vida hackeada frequentemente tenta transformar o humano em uma máquina mais eficiente, mas isso vem com o custo de perder a espontaneidade e a profundidade das experiências humanas”. Reagle questiona se essa busca por eficiência em todos os aspectos realmente resulta em uma vida plena ou se nos tornamos reféns de uma obsessão por produtividade que pode não ter fim. Isso porque, retomando o que falamos no começo do texto, que tudo passa a ser relativo e não absoluto, se todo mundo tiver o mesmo superpoder, o que passa a ser um super poder?

Estamos vivendo um momento importante e que pode ser um marco na evolução, o “life hacking” migrou de práticas simples de bem-estar para estratégias mais sofisticadas, elaboradas e suportadas pela tecnologia. Com a proliferação de aplicativos, ferramentas e IA, os indivíduos agora podem otimizar suas finanças pessoais, aprendizado e até relacionamentos, sim, existem hacks para se conseguir um date, basta pesquisar por “how to hack tinder for better results?”. E a pressão por eficiência e a promessa de “soluções rápidas” são catalisadas por uma sociedade cada vez mais impaciente.

Em seu relatório, “Life Trends 2025“, a Accenture fala sobre a “Impatience Economy” e fica evidente como o Hacking Life faz parte desta abordagem:

“I look for shortcuts in every area that I can. Anything that I can do to speed my life, help make things go faster, better, more accurate.” 

Stan, 46, US

“Eu procuro atalhos em todas as áreas que posso. Qualquer coisa que eu possa fazer para acelerar minha vida, ajudar as coisas a irem mais rápido, melhor, com mais precisão.”

Stan, 46 anos, EUA

Hacking as a Service

A inteligência artificial desempenha um papel crucial na aceleração desse movimento. Plataformas como Duolingo, que oferece aprendizado de idiomas em pequenos blocos diários, e Headspace, que guia a meditação de forma rápida, são exemplos de como a tecnologia está sendo utilizada para “hackear” diferentes aspectos da vida. No mundo financeiro, ferramentas como Robinhood permitem que pequenos investidores ganhem acesso ao mercado em segundos, enquanto apps de saúde como MyFitnessPal ajudam usuários a monitorar suas dietas com agilidade, o Strava ajudando atletas a monitorar sua performance de maneira mais eficiente, usando IA para fornecer insights personalizados. Calm e Noom fazem o mesmo com a saúde mental e controle de peso, respectivamente. Cada uma dessas plataformas oferece não apenas uma ferramenta, mas uma promessa de que os resultados podem ser alcançados mais rapidamente com o uso contínuo de seus serviços. Esses exemplos não só ilustram como o hacking da vida está presente em todas as áreas, mas também mostram como a demanda por essas soluções rápidas está crescendo.

Aonde está o valor?

No último Morse Trends VaaS (Value as a Service): a precificação baseada em valor ao invés de licenças e uso, discutimos como consumidores já não querem apenas contratar softwares ou ferramentas complexas. Eles querem contratar soluções reais e resultados tangíveis. O “life hacking” é a extensão desse desejo: mais do que nunca, as pessoas não querem apenas meios para atingir seus objetivos, mas sim os objetivos alcançados. Basta abrir o Instagram e Youtube para ser impactado por milhares de conteúdos e cursos que não mais prometem aprendizado ou conhecimento, mas sim “a garantia” de resultados, porém, num verdadeiro sistema de pirâmide, o verdadeiro ganha não está nos resultados gerados pelos cursos, mas sim na venda dos próprios cursos. E nem vamos falar aqui de jogos de apostas e suas promessas milionárias, mas podemos falar de mudanças reais de comportamento. 

Um dado impressionante é o % de pessoas que, ao se dedicarem às suas profissões, com foco na sua evolução, começam trabalhos paralelos para buscar uma promessa de renda imediata.

Outra exemplo são os próprios empreendedores, que estão enfrentando a grande dificuldade – principalmente os mais jovens – de construir aos poucos seus resultados e entender a importância do longo prazo e paciência. Afinal, com o turbilhão de cases de sucesso, empreendedores milionários, e resultados rápidos, é quase que natural um empreendedor que está avançando “devagar” ficar desesperado ao lidar com o ritmo acelerado – muitas vezes falso – de outros empreendedores e empresas ao seu redor. 

Vendedores de ilusão

Para as empresas essa tendência representa uma complexidade enorme pois muitas vezes coloca como “diferencial competitivo” em algum segmento a linha tênue entre o certo e o errado para cada empresa. 

Além disso, assim como o “8-Minutes abs” não vai, sozinho, resolver a sua necessidade por um físico melhor, outros hackings da vida também precisam ser equilibrados para que possam ser uma parte do processo, mas não o processo em sí. Steve Jobs, com sua famosa frase “People don’t know what they want until you show it to them” já dizia que, muitas vezes, os consumidores não conseguem expressar claramente suas necessidades ou desejos até que vejam uma inovação que atenda a essas necessidades de maneira inesperada. 

E a pergunta que fica para as empresas passa a ser então, num momento no qual consumidores estão demandando o hacking da vida, o que eles querem ou precisam de verdade? A vida é curta, e ao final todos dizem que o que mais valeu foi a jornada e não as conquistas em si, então será que hackear a vida é mesmo o que os seus clientes querem?

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