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GHOST INTERVIEW #24 | O Dia D do Slack

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O rei do Pivot

Junho chegou, com ele, o frio, as comidas de quermesse (YES) e, para quem é do mundo das tecnologias, o IPO do Slack. Silenciosamente, o app de comunicação e colaboração de equipes passou da marca dos 10 milhões de usuários ativos diários e do valor de mercado de US$ 16 bilhões. O serviço começou como uma aplicação de uso interno de uma startup de games (a gente contou essa história em detalhes aqui) e virou produto final pela intervenção de Stewart Butterfield – o CEO da empresa na época e atual executivo chefe do Slack. A Ghost Interview de hoje é com ele.

Se tem alguém que conhece bem a arte do “pivot” no mundo Mobile e Big Data, esse alguém é o Stewart, afinal, o Slack não foi a primeira vez que o executivo mudou de produto no meio do caminho – ou, como a gente ama dizer “consertou o avião em pleno voo”. Lá em 2003, o canadense filho de hippies (sério!) tentou criar um “game infinito”, mas terminou fundando o Flickr, o que rendeu um cheque de US$ 35 milhões na venda para o Yahoo!. Segue só:

Mudanças à vista…

Meus pais eram hippies. Eles restauraram uma cabana antiga do final do século retrasado para a gente morar, em Montreal. Então eu não tive água encanada e só conheci eletricidade com uns quatro anos de idade. Meu primeiro nome foi Dharma, que é um conceito hindu e budista de “achar o seu caminho”. Eu mudei para Stewart quando tinha 12 anos, na época eu queria ser o mais normal possível e achei que esse fosse o tipo de nome comum. Agora eu realmente me arrependo, imagina “Dharma Butterfield”, seria um nome incrível!

(Entrevista ao podcast How I Built This em 30 julho de 2018)

A gente tinha a interface do jogo que precisava ter um inventario de imagens, para que o jogador pudesse escolher objetos. Fizemos essa parte como se fosse uma caixa de sapato cheia de fotos. E você podia interagir com esse espaço, como arrastar fotos para um grupo de conversa, e elas apareceriam na página do outro jogador. Era possível também anotar e comentar as fotos em tempo real. E também tinha uma parte de chat no jogo, para conversar com os outros players – isso tudo virou a pedra base do Flickr. O jogo não funcionou. Mas a gente tinha algo em mãos.

Na época [2004], quase todos os compartilhamentos de foto eram centrados em volta da foto impressa, e essa era a ideia do que as pessoas queriam fazer com as suas fotografias. As grandes empresas – tipo a Kodak – estavam focadas nisso. Ninguém da competição pensou que a internet poderia se transformar num meio social que valeria a pena compartilhar fotos. Com o tempo, conseguimos colocar títulos e descrições nas imagens, as pessoas podiam comentar nelas. Acrescentamos tags, e, em pouco tempo, era um site que muitos iam para compartilhar assuntos. E tudo isso aconteceu muito, muito rápido. Lançamos em fevereiro de 2004 e, em março de 2005, a venda para o Yahoo! tinha sido fechada. Basicamente, ficamos um ano no mercado, e, mais ou menos, dez meses e meio antes de entrar em negociações de venda.

(Entrevista ao Masters of Scale em 12 de abril de 2018)

Foram duas decisões separadas. Chegamos à conclusão que o Glitch nunca seria o tipo de negócio que justifica os US$ 17,2 milhões investidos pelo VC. Seria um projeto legal para umas seis ou sete pessoas, sem gastar tanto. Mas a real é que estávamos no final de 2012, e éramos 45 pessoas trabalhando num produto que nunca iria escalar. Então decidimos descontinuá-lo sem saber, exatamente, o que faríamos depois. A empresa ainda tinha milhões de dólares no banco, e uma das possibilidades era devolver a grana para os investidores e “passar a régua”. Mas, porque a gente tinha a grana, tínhamos a flexibilidade para fechar de maneira mais humana. Demorou algum tempo para a gente transformar o Slack em produto. Ele surgiu de um estilo de comunicação que a gente criou para fazer o Game. Usávamos uma tecnologia antiga chamava IRC, e porque o IRC era limitado, a gente foi adicionando features que queríamos ao longo dos anos. Por exemplo, no IRC, se você não está online ao mesmo tempo que eu, eu não posso te mandar uma mensagem. Nós construímos uma forma de contornar isso. Adicionamos também a feature de pesquisar dentro dele. Essa dinâmica interessante aconteceu. Quando o Glitch acabou, tínhamos 45 pessoas na empresa, estávamos em operação por 3 anos e meio, e só tínhamos 50 mensagens na nossa lista de e-mail. Todo mundo da empresa, naturalmente, prestava mais atenção às trocas de mensagens feitas pelo “nosso IRC”. Quanto mais pessoas prestavam atenção, mais informações a gente colocava nesse sistema. Eventualmente, tudo migrou para o “nosso” IRC. A gente não teve sucesso para criar o game, mas devo dizer que a gente foi muito eficiente em não ter sucesso ao fazê-lo.

(Entrevista a Business Insider em 25 de abril de 2015)

Eu não quero dizer que [o Glitch] era um game ruim, algumas pessoas realmente gostavam, mas era um jogo muito difícil de explicar. Na época, o que estava ficando popular eram games como o Farmville, CityVillle, que são supersimples de se entender e de se explicar. Não era o que acontecia com o Glitch, demorava quase 25 minutos para defini-lo para outra pessoa. E, também, agora falando de maneira mais crítica: a gente começou a desenvolver o jogo em Flash, bem no momento que esse formato estava morrendo. A gente estava criando algo para desktop, bem quando as pessoas estavam trocando de devices e passando cada vez mais e mais tempo no celular. Quer dizer, estávamos no começo de 2009, não era tão claro assim que o Mobile ia tomar conta. Gastamos US$ 12,9 milhões neste game que, no final das contas, não valia tanto assim. Na hora do “pivot”, vou dizer que o relacionamento com os investidores foi a parte mais fácil, e olha que foi muito horroroso. Foi  horrível porque foi humilhante. E o pior de tudo é que a gente tinha contratado um grupo de pessoas, 45 pessoas trabalhavam na empresa e a gente teve que dispensar 37. De uma vez. Lembro daquela manhã, eu tendo que reunir todos da empresa e chegar lá na frente para falar com todos, então olhei para esse funcionário, um rapaz que tinha acabado de se mudar só para trabalhar com a gente, ele tinha uma filha de dois anos de idade, e tive que falar para ele “muito obrigada por ter fé em mim, mas você não tem mais um emprego”. Foi muito, muito, muito difícil. A gente ficou o próximo mês e meio apenas realocando os funcionários em outras empresas, fizemos um portal com os currículos deles. Tivemos um período longo de discussão sobre o que faríamos depois, a opção pelo nosso sistema de mensagem não foi tão natural assim.

(Entrevista ao podcast Re/Code Decode em 9 de julho de 2015)

As pessoas têm me perguntado por que o Slack decolou. Saí em algumas manchetes porque respondi “eu não tenho a mínima ideia”. Mas a verdade é que tenho um pouco de ideia, mas acho que é muito especulativa e iria levar, pelo menos, 45 minutos para explicar, não precisamos ir nela. Mas parte do sucesso se deu por causa da mudança de comportamento. Quando eu penso em 10 ou 11 anos atrás, quando comecei o Flickr, o hardware era 95% mais caro. Os softwares open source agora são 50 vezes melhores do que eram. E, mais importante, existem literalmente 10 vezes mais pessoas online, e elas estão online de uma maneira diferente do que há dez anos. O relacionamento que as pessoas têm umas com as outras, mediado pela tecnologia, mudou de uma maneira muito profunda. Não é tão óbvio para a gente agora, mas, daqui a uns 10 anos a gente vai lembrar desse período e falar “de 2008 a 2014, tudo mudou por causa do iPhone”. Hoje, minha mãe me manda mensagens. Não quero usar a minha mãe como um exemplo de alguém excluído digital, mas devo dizer que ela foi aquela hippie que “vivia da terra”. Se eu lembrar de 2006 e 2007, época do Flickr e até ir um ponto antes, a ideia de alguém usando a internet por tanto tempo no dia era estranha. Hoje em dia as pessoas falam com outras via mensagem, via web e é tudo normal. Isso muda o seu relacionamento com a tecnologia.

Foi só em 2009 que a gente começou a ter o conceito real do que eram aplicativos. Hoje em dia, parece que sempre foi assim. Quando o Flickr foi comprado, o telefone mais legal que você não conseguia comprar, porque ele estava esgotado nas lojas, era o Motorola Razr. As pessoas abriam aquele telefone e olhavam aquela tela péssima de Led se achando, hoje em dia isso parece um pouco ridículo. E estou falando de dez anos atrás. Isso era o máximo da tecnologia mobile da época, então, assim, não tem como dizer que o Mobile não fez diferença.

(Entrevista ao Startups.com em 4 de junho de 2018)

A Microsoft é o nosso maior competidor. Eles são a terceira maior empresa no mundo e, se eles começarem a canalizar todos os seus esforços contra você, isso é muito contra o que competir. Até agora, quando as companhias nos comparam com produtos de outras, a gente tem ganhado, mas a competição é o que nos deixa hiper-focados em melhorar o Slack. Até 2025, esperamos que a maioria das comunicações aconteçam em canais, isso pode ser no Slack ou em algum programa similar. Há o risco de alguém criar algo parecido com o nosso? Sim. Mas não antecipamos que isso aconteça: criamos essa categoria de aplicação e temos três anos de feedback e dados.

O quanto temos medo de competir com a Microsoft porque eles têm uma melhor distribuição? No começo dos anos 80, ninguém esperava que a Microsoft iria se tornar maior que a IBM – seria ridículo alguém falar. Mas, quando chegou o momento que a IBM quis acabar com a Microsoft, já era tarde demais. Corta para 15 anos depois, e a Microsoft vê o Google com um negócio interessante e crescendo rápido. “Isso é fácil, temos 100 engenheiros a mais, e dinheiro. Nós também podemos criar um buscador online”. Então eles tentaram, colocaram tudo que tinham nesse projeto, gastaram algo em torno de US$ 20 bilhões nos 10 anos seguintes e falharam. E o Google também não conseguiu entrar no mundo das redes sociais. Não conseguiram fazer o Google Plus crescer.

No nosso negócio específico, a Microsoft oferece uma linha grande de programas para e-mail e para uso de empresas. No Slack, tem tudo em um, o usuário pode acrescentar o que precisar e o que achar que funcionar para usar em grupo. A transição para usar o Slack precisa ser em grupo. Nós descobrimos que se não tem 100% do time usando o aplicativo, ninguém usa. Não precisa ser a empresa inteira, mas um grupo de pessoas. Em um mundo onde já há um monte de custos irrecuperáveis, será muito mais desafiador ligar o Microsoft Teams e esperar que eles o adotem, quando tiverem essa opção.

Se você tiver uma proposta sobre a qual deseja receber feedback, envie-a para pessoas no Skype for Business, anexe-a a um e-mail, coloque-a no Sharepoint ou use os fluxos de comentários no Yammer e agora no Microsoft Teams. Portanto, é uma escolha um tanto fragmentada e é difícil para o grupo de usuários saber onde está o centro de gravidade.

(Entrevista ao Business Insider em 10 de dezembro de 2017)

A moral da história, para a gente, é que uma startup pequena, com uma boa tração com os usuários pode ganhar contra uma empresa grande.

Mas eu também acho que o quanto maior a empresa fica, menos eficiente é o dólar investido, porque é muito mais difícil coordenar grandes organizações.

(Entrevista ao Wall Street Journal em 10 de outubro de 2018)

Pode parecer uma analogia muito estranha num primeiro momento, mas estamos tentando fazer o que o Google Maps fez no mundo físico para as empresas. Dentro dos computadores de cada empresa é onde as decisões são feitas. Mas as pessoas passam muito tempo para achar a informação correta. Às vezes são questões simples como “quem é o responsável por esse projeto? Onde está o documento da reunião de hoje? ”. As pessoas não veem o quanto gastam de tempo nessas tarefas. Exatamente como a gente nem percebe quanto esforço a gente fazia para usar mapas em papel. Lentamente, essa transformação vai vir para o mudo do trabalho. E estamos interessados em qualquer coisa que pudermos fazer para ajudar as pessoas a acharem informações.

(Entrevista à revista Fortune em 26 de junho de 2017)

A nossa inteligência artificial [chamada SLI, Search, Learning & Intelligente] é usada para melhorar a pesquisa na plataforma. Num primeiro momento para resolver as pesquisas básicas, nas quais as pessoas sabem o que estão pesquisando dentro da plataforma. A segunda categoria de pesquisa, e de objetivo para o SLI, são recomendações proativas e alertas. A terceira é tentar entender todo o corpo da informação e poder melhorar com o tempo, de um jeito que não precise de input de usuários para finalizar a pesquisa. Dá para imaginar um “chefe de staff” virtual que lê todas as mensagens do Slack e sintetiza toda aquela informação baseado nas suas preferências, que ele aprendeu ao longo do tempo. E pode te recomendar algumas tarefas ou dados para o dia. Então seria quase como um assistente virtual, te listando o que é importante fazer no trabalho.

O SLI também está pesquisando insights organizacionais. Tivemos um projeto interno que conseguiu ligar a força das conexões entre departamentos diferentes e a quantidade de mensagens públicas e privadas trocadas entre essas áreas. Dá para mapear as áreas que se conversam na empresa. Queremos prover esses tipos de insights organizacionais e também numa base individual.

O time do SLI está reunindo dados de alguns usuários – com a permissão deles lógico – e mostrando para eles como as coisas acontecem na companhia.  Eu gostaria de saber – e acho que todo mundo gostaria de saber – uma versão privada desse report para olhar coisas como: Será que eu falo com homens diferente do que falo com mulheres? Eu falo diferente com os meus superiores que com meus subordinados? Em quais conversas eu sou mais generoso? Pode ser que os dados mostrem que você tende a ser mais enérgico pelas manhãs e tem pouca paciência no meio da tarde.

Acho que tudo isso ainda vai demorar para ser lançado. Ainda estamos experimentando. Em alguns anos será bom. Em uns cinco anos, será excelente. E daqui a 10 anos, será impossível trabalhar sem.

(Entrevista ao MIT Technlogy Review em 27 de setembro de 2017)

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