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Estivemos no País mais digital do Mundo

Visitamos a Estônia para conhecer um pouco mais sobre o país e seu case de dados e digitalização

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Como a corrupção, a falta de confiança e de recursos criou uma das referências em uso de dados e digitalização no mundo? Foi em busca da resposta desta pergunta que, na semana passada, fomos até a Estônia, junto com 25 startups e empresas de tecnologia, na missão Google Cloud Expedition para conhecer um pouco mais sobre o país que é berço de várias startups de sucesso global como Skype, Wise (TransferWise), Bolt, Glia, Veriff e Pipedrive, e que, apesar dos seus desafios, tornou-se um dos países mais digitalizados, sendo o segundo País do mundo com maior índice de unicórnios per capita, foi reconhecido com o maior índice de liberdade de expressão online, o terceiro país do mundo em digitalização de serviços públicos aos cidadãos, o primeiro do mundo com votações online, o terceiro país mais eficiente em cibersegurança e, hoje em dia, possui 99% dos serviços públicos do país sendo acessados online e tudo podendo ser assinado digitalmente. Tudo isso adotando práticas e conceitos que podem servir de inspiração e referência para outros países e empresas em busca de transformar desafios em oportunidades através do uso dos dados e da tecnologia. Então, bora conosco neste Morse Trends em um rolê pela Estônia.

Situando no mapa 🙂

Antes de começar, e para quem não conhece, a Estônia é um país pequeno, com cerca de 45.000 km², quase o mesmo tamanho do Estado do Rio de Janeiro, e com pouco mais de 1,3 milhão de habitantes, ou seja, quase a mesma população da Cidade de Campinas no Estado de São Paulo. O país fica situado no Leste Europeu, cercado geograficamente pelo Mar Báltico ao norte e oeste, pela Rússia ao leste e pela Letônia ao sul. Dado à sua localização, possui um clima nórdico com invernos severos, sendo mais desafiador durante 4 meses, com temperaturas que podem chegar a -20°C e dias que chegam a ter no máximo 5 a 6 horas de luz. Por outro lado, é um país muito rico em paisagens naturais, composta por florestas densas, mais de 1.500 ilhas, numerosos lagos e natureza rica e diversificada. A posição estratégica da Estônia no Mar Báltico também a coloca em um ponto de conexão importante para o comércio, logística e as relações políticas e econômicas entre a Europa Oriental e os países nórdicos.

Contexto, desafios e oportunidades

Além dos desafios de ser um país pequeno e com restrições de clima, a Estônia vem de um contexto histórico e político não muito simples, com séculos de dominação estrangeira, incluindo ocupações pela Dinamarca, Suécia, Alemanha e, principalmente, pela Rússia e União Soviética. O país teve a sua independência declarada duas vezes, sendo a primeira em 1918, porém o país foi novamente ocupado pela União Soviética em 1940, passando por décadas de repressão até recuperar sua independência apenas “recentemente”, em 1991, com o colapso soviético. Desde então, o país se transformou rapidamente em uma democracia parlamentarista moderna, integrando-se à União Europeia e à OTAN em 2004, como forma de garantir sua segurança e soberania. Politicamente, a Estônia é reconhecida por sua governança transparente, compromisso com o Estado de Direito e, em nossa pauta aqui, com foco total na inovação digital como forma de, numa português mais claro, “correr atrás do prejuízo”, ou seja, se apoiar fortemente na inovação para buscar os anos perdidos em meio à guerras, ocupações e repressões.

E foi justamente nesse sentido, após a sua independência de 1991, num cenário pós guerra que seria o caminho certo para a corrupção e uma completa falta de confiança e recursos financeiros que, em 1994, a visão tecnológica do então Primeiro Ministro Mart Laar, na época com apenas 31 anos, destacou a possibilidade da digitalização ser o diferencial do País.

Pavimentando a digitalização

A partir de 1994 diversas ações marcaram a história da Estônia e seus avanços rumo à ser referência no uso de dados e na digitalização. O primeiro passo, ainda no ano de 1994, foi a criação do Projeto Tiger Leap (Tiigrihüpe), iniciativa que passou a ser implementada em 1996 com foco em informatizar escolas e fornecer acesso à internet, visando preparar a sociedade para a era digital. O projeto tinha como objetivo não apenas a educação, mas também utilizar as escolas como hubs digitais. Quem aqui não frequentou um cybercafé nos anos 2000 para checar seus emails? As escolas faziam esse papel, para que mesmo a população que não tivesse computador ou acesso a internet em suas casas pudesse fazer parte da digitalização. Com o apoio de empresas privadas como IBM, Microsoft e HP, junto às operadoras de telecom Telia e Elion, em cerca de 4 anos quase todas as escolas estonianas, mesmo as espalhadas nas mais de 1.500 ilhas ao redor do país, estavam digitalizadas, e esse foi um marco inicial para a inclusão digital do país.

Em 2002 a Estônia foi o segundo país do mundo a adotar o ID Card que marcou outro passo significativo em direção à digitalização. O ID Card é o cartão de identidade nacional da Estônia, exclusivo para cidadãos e residentes, que serve como documento oficial de identidade para identificação e assinatura digital segura. Ele é um cartão físico que possui um chip e requer um leitor de cartões para uso em computadores. A Finlândia, vizinha do país separada pelo Mar Báltico, foi a primeira a adotar o ID Card, porém com uma adoção de “apenas” 40% da população. Enquanto isso, na Estônia, o percentual já ultrapassa os 98% e os bebês já recebem seus ID Card automaticamente no nascimento, com seus pais sendo comunicados através do próprio sistema digital. O ID Card, que começou como a identificação digital dos cidadãos, evoluiu para ser o banco de dados central do país e hoje em dia permite desde viagens por toda a Europa até receber uma receita médica de um remédio controlado sendo emitida em um dos países da União Européia e comprar esse medicamento em outro país, tudo dentro do mesmo sistema. Vale lembrar que, no Brasil por exemplo, isso não pode ser feito nem em Estados diferentes, ou seja, a receita de um médico de São Paulo não vale para comprar medicamento em uma farmácia no Rio, ou em qualquer outro contexto de estados diferentes.

Outro avanço importante ocorreu em 2005. Ainda em meio a um contexto político desafiador, com resquícios da ocupação da ex URSS, e com receios da Rússia desafiar sua soberania, a Estônia avançou em formas de garantir a sua democracia utilizando a tecnologia com a criação do i-Voting, e se tornou o primeiro país do mundo a permitir a votação online em eleições nacionais, um marco histórico que demonstrou a viabilidade da tecnologia em um processo eleitoral oficial. A efetividade do projeto fica evidente já que, na última eleição parlamentar do país realizada em 2023 e que elegeu Kaja Kallas como primeira ministra, 52% das pessoas votaram online e o projeto abriu caminho para o uso do i-Voting em eleições parlamentares e europeias subsequentes.

Já em 2007, pouco menos de 5 anos depois do lançamento do ID Card, o país lançou o Mobile-ID, uma evolução do ID-Card, permitindo utilizar os smartphones para a identificação digital e assinatura de documentos, semelhante ao ID-Card, mas sem a necessidade de portar os cartões e ter um leitor físico para escaneá-los.

Mas foi em 2014 que lançaram algo que colocaria a Estônia no mapa digital de outros locais ao redor do mundo, o e-Residency, programa que oferece identidade digital a cidadãos de qualquer lugar do mundo, permitindo o acesso aos serviços eletrônicos do país. Com o e-Residency, indivíduos podem criar e gerenciar empresas estonianas online, abrir contas bancárias digitais, assinar documentos eletronicamente e realizar transações de maneira segura, sem a necessidade de presença física na Estônia. O programa não concede cidadania, residência fiscal, ou direitos de residência física, mas oferece uma forma prática para empreendedores globais integrarem seus negócios ao ecossistema digital estoniano e por consequência ao mercado europeu, tornando a Estônia uma nação sem fronteiras para negócios digitais por lá e na Europa. Em nossa visita ao país eles apresentaram um quadro comparativo (imagem abaixo) sobre as vantagens do e-Residency versus outras alternativas.

Por fim, em 2020, a Estônia consolidou seu sistema de saúde digital, permitindo que cidadãos acessem seus registros médicos online, tenham receitas eletrônicas e serviços de telemedicina, tudo de forma unificada e validada por cada ID Card e com o uso do Data Tracker para permitir e acompanhar a consulta à esses dados de forma simples e prática.

Os 3 Pilares da Digitalização

Um ponto importante de nossa visita à Estônia foi entender quais foram os gatilhos e pilares que permitiram a rápida e eficiente digitalização do país e, em sua apresentação, Anett Numa, Head of Government Relations and Communications do Ministério da Economia e do projeto Accelerate Estonia, nos apresentou os 3 pilares que foram essenciais para viabilizar as mudanças, e acredito que podem servir para outros países e empresas; Confidencialidade, Disponibilidade e Integridade.

O ponto inicial foi a Confidencialidade, e neste caso por motivos que vão além dos que nós estamos acostumados, já que em um país que ainda vive resquícios recentes de uma guerra, ocupação e controle, ter os seus dados facilmente disponíveis de forma online demandou um grande investimento para gerar confiança. Foi dentro do pilar de confidencialidade que foram implementados os serviços de ID Card, Mobile ID e e-Residency.

O segundo pilar foi o da Disponibilidade mostrando à população que migrar para o digital facilitaria o seu dia a dia dado que uma única fonte poderia servir de hub para tudo que precisassem. Esse pilar foi suportado pela X-Road, a infraestrutura crucial que garante o acesso contínuo e eficiente aos serviços digitais. Lançada em 2000, a X-Road é uma plataforma de interoperabilidade que conecta sistemas de dados de instituições públicas e privadas, permitindo que eles compartilhem informações de forma segura e automática. Essa conectividade facilita o funcionamento ininterrupto dos serviços digitais, assegurando que os dados necessários estejam sempre disponíveis para cidadãos, empresas e governos, independentemente do sistema utilizado. A X-Road reduz a burocracia, melhora a eficiência e torna possível a execução de processos online, como declarações de impostos, pedidos de documentos, e registros empresariais, tudo realizado 24/7, reforçando a disponibilidade e a confiabilidade dos serviços digitais no país.

Já o terceiro pilar é o da Integridade, garantido que os dados estejam sempre seguros e, algo super interessante para considerarmos aqui, “trackeáveis”. Uma das principais ações deste pilar ocorreu em 2007, motivado pela necessidade de garantir a integridade e a segurança dos dados em um contexto digital cada vez mais vulnerável a ciberataques, com o lançamento do KSI (Keyless Signature Infrastructure), tecnologia criada pela empresa estoniana Guardtime que fornece assinaturas digitais seguras e escaláveis para proteger a integridade dos dados. Diferente das blockchains tradicionais, o KSI Blockchain não depende de chaves criptografadas individuais que podem ser comprometidas; em vez disso, ele usa algoritmos hash para verificar e autenticar dados de forma rápida e segura. Desde então, a tecnologia tem sido amplamente adotada pela Estônia e por várias organizações globais para proteger dados e garantir a confiabilidade dos sistemas digitais.

Outro avanço no pilar da Integridade foi o Data Tracker, uma ferramenta crucial que permite aos cidadãos monitorar quem acessa seus dados pessoais nos sistemas governamentais e nas empresas. Reforçando que o Governo não é o dono das informações, mas sim a entidade que armazena e assegura, através do Data Tracker, que cada cidadão consiga liberar ou não, e acompanhar, quais dados são ou foram acessados por cada empresa ou entidade, garantindo que todos os dados sejam utilizados de forma adequada e autorizada. Esse sistema protege contra o uso indevido e abusivo de informações, permitindo aos cidadãos contestar acessos não autorizados e garantindo que a integridade dos dados pessoais seja mantida em todas as interações digitais.

Por fim, e talvez o mais importante dentro do pilar de integridade dado ao ataque cibernético que o país sofreu em 2007, foi garantir que os dados estariam o mais protegidos possível e sem riscos de serem destruídos. Então, em 2017, foi lançada pelo governo estoniano, em parceria com o governo de Luxemburgo, a Data Embassy, um marco na proteção e continuidade dos dados governamentais. Funciona como uma extensão digital da Estônia, armazenando cópias seguras e encriptadas dos dados críticos do governo em servidores localizados fora do país. Essa iniciativa assegura que, mesmo em caso de ciberataques, desastres naturais ou crises que comprometam a infraestrutura digital nacional, os serviços governamentais possam continuar operando, preservando a integridade e a soberania dos dados estonianos em qualquer circunstância. A título de curiosidade, por estarem “acostumados” com os avanços cibernéticos da Rússia, a Estônia acabou virando a Data Embassy da Ucrânia, assegurando os dados do país que vive sobre ataques da Rússia.

Hub da digitalização e de startups

Por fim, o resultado das diversas iniciativas criadas pelo país para resolver seus próprios desafios internos acabou criando na Estônia um ecossistema propício à digitalização e um hub para que startups e empresas de tecnologia do mundo inteiro explorem o mercado europeu. Nesse sentido, o País lançou em 2017 Estonian Startup Visa, um programa destinado a empreendedores de fora da União Europeia que desejam estabelecer suas startups na Estônia e na região. O visto facilita a entrada de fundadores e suas equipes no país, e na Europa, e permite que os empreendedores obtenham residência temporária na Estônia, acesso ao mercado europeu, e usufruam de uma infraestrutura digital robusta e de apoio, incluindo benefícios fiscais e facilidade de abertura de empresas.

As empresas interessadas devem antes se enquadrar no que a Lei do país define como Startup: (1) ser baseada em tecnologia, (2) trazer alguma inovação, (3) ter um modelo de negócio escalável, (4) ter um rápido potencial de crescimento global e (5) ter ao menos um MVP. Todas as aplicações vão para um Comitê formado por profissionais de 7 organizações diferentes que podem avaliar os diferentes aspectos de forma técnica e com viés de negócios para aprovar, ou não, as empresas interessadas.

Todo o cadastro é facilitado, com modelos de documentos disponíveis no próprio site. Mas vale lembrar que o modelo funciona para startups em fase inicial e, após um certo estágio de crescimento, é necessário fazer alguns ajustes de registro.

Resumo da viagem

Viver uma semana o ecossistema digital da Estônia, conhecendo ao vivo e a cores órgãos governamentais e empresas que fizeram parte desta transformação não tem como não ser inspirador, e saber que os dados e a digitalização foram capazes de ajudar a reerguer uma nação, colocando-a no mapa como destaque entre diversas outras potências globais nos mostra o quanto empresas podem se apoiar na mesma tese para, independente do seu tamanho, passado ou desafios, criar uma cultura digital que pode direcionar o seu lugar de destaque. Isso tudo, não podemos deixar de falar, conhecendo um lugar no mundo que não necessariamente está no radar de muita gente, com belezas naturais, uma ótima gastronomia e uma cultura única que nos fez aprender que, por exemplo, um dos melhores locais para se fechar negócio no país é, imaginem só, fazendo uma sauna e, obviamente, fizemos a nossa para fechar essa viagem como chave de ouro.

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Contexto e Agradecimentos:

A Hands Mobile possui uma parceria estratégica com o Google Cloud, plataforma de nuvem na qual a Hands roda toda a estrutura de dados para as Ofertas de Geobehavior Ads e Geobehavior Insights, com cerca de 1 bilhão de dados de geolocalização coletados e analisados diariamente.

Nosso agradecimento ao Gustavo Amici, Ricardo Smaniotti, Richard Bucalem, Daniel Pretti Costa e à Giulianna Domingues, bem como ao time Google Cloud, pelo convite e recepção.

Obrigado também ao Claudio Santos, Lucas Magalhães e equipe Santo Digital pela parceria.

Obrigado ao Governo da Estônia, principalmente à Anett Numa, Head of Government Relations and Communications do Ministério da Economia e do projeto Accelerate Estonia e à Annika Jars, Startup Visa and Foreign Relations Development Manager da Startup Estonia, por terem nos apresentado de forma prática o cases de digitalização e as oportunidades no país. 

Obrigado ao digitaliza.ai por ter criado uma lista interativa reunindo todas as +25 empresas e startups digitais do Brasil que fizeram parte desta missão.

Nosso agradecimento também à Snaq, pela co-produção do gráfico, acima apresentado, resumindo um pouco sobre o contexto digital da Estônia.

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