Há um pouco mais de uma semana, a Canva, aquela plataforma de design digital online, chegou ao valor de mercado de US$ 6 bilhões (seria esse um hexaunicórnio?!). O número é quase o dobro dos US$ 3,2 bilhões de valuation que a startup tinha anunciado, em outubro do ano passado. Sim, em 10 meses, eles dobraram de valor e chegaram aos 30 milhões de usuários ativos mensais. Razão boa o bastante para o Ghost Interview dar um pulo, literalmente, no outro lado do globo, em terras australianas para falar com Melanie Perkins, CEO e cofundadora da plataforma.
Antes da Canva, Melanie (Mel, para os íntimos!) abriu a Fusion Books, quando tinha apenas 19 anos, a ideia era parecida com a da plataforma de design, mas voltada para anuários – os Yearbooks – de colégios australianos. A empresa deu certo e, um pouco menos de 3 anos depois, Mel resolveu expandir o mercado: de colégios para, bem, qualquer tipo de usuário. Esse é o mote por trás da Canva: levar o design para não-designers (assim como na semana retrasada, falamos sobre o IFTTT e a sua missão de levar inteligência artificial para não programadores). O resultado foram os números acima. Como ela chegou até ele? É o que você vai descobrir…
MORSE: Melanie, o que te deu a ideia inicial para a Canva e como foi o começo?Melanie Perkins: Quando estava na universidade em Perth [cidade no sudoeste da Austrália] em 2008, eu ganhava um dinheiro extra dando aulas de programas de design. Neste momento, eu percebi o quanto aquelas ferramentas que ensinava eram difíceis e complicadas de usar. E pensei o quanto era bobo que elas fossem apenas ferramentas para desktop e também percebi o quão absurdo era que mesmo profissionais tivessem que demorar tanto para aprender a ferramenta, para depois ela mudar de linguagem. Queria fazer um software de design simples, online e colaborativo.
No lugar de lançar o programa, eu me juntei ao meu namorado [atual cofundador e também noivo de Mel] para aplicar esse conceito aos anuários. Minha mãe era professora e eu sempre fui responsável por fazer o design dos Yearbooks da escola dela, e sabia quantas horas isso levava de trabalho. De maneira geral, o coordenador dos anuários era um professor organizando esse projeto enorme, e sem nenhuma experiência de design. A necessidade para uma solução melhor era óbvia. Lançamos a Fusion Books direto da sala da minha mãe!
MORSE: Da Fusion Books em 2008 para o investimento de US$ 3 milhões em 2013 foram alguns anos, e alguns passos. Entre eles, o de conhecer Bill Tai, um grande VC que acabou fazendo vocês conhecerem os investidores. Conta um pouco de como foi esse caminho…Melanie Perkins: Em cinco anos, a Fusion Books se tornou a maior companhia de anuários na Austrália, expandimos para a França e para a Nova Zelândia. A gente viu que a tecnologia que criamos para esse setor poderia ser aplicada de maneira mais ampliada, e foi assim que surgiu o Canva.
Um momento-chave para mim foi conhecer Lars Rasmnussen, cofundador do Google Maps. Foi Tai que me apresentou a ele, e, até então, eu nunca tinha conhecido alguém que lançou este tipo de programa. Mudou radicalmente a minha perspectiva e a minha visão de escala para a Canva. Lars também foi muito importante, já que foi a partir dele que conseguimos montar nosso time de tecnologia e também achar o nosso terceiro cofundador, o cofundador técnico, Cameron Adams, um ex-Googler.
MORSE: Mesmo assim, não foi super fácil levantar capital, né?Melanie Perkins: Tomamos muitos nãos. Toda vez que nós recebíamos uma pergunta difícil de um possível investidor ou toda vez que eles nos falavam a razão por que não investiriam na Canva, a gente mudava alguma coisa do pitch. Eu revisei tanto nosso pitch que acho que passou das 100 vezes, a cada vez eu acrescentava informações que os investidores pareciam mais interessados e mudava as partes que sofriam rejeições. O normal seria você desistir depois do centésimo não, mas a gente perseverou.
MORSE: A Canva “demorou” para ser lançada, você comentou aqui em cima de quantas vezes levaram um não de investidores. Logo depois que lançaram, em 2013, no entanto, vocês levaram poucos meses para atingir o primeiro milhão de usuários, quais foram as lições que este crescimento trouxe para você na maneira de ver o negócio ?Melanie Perkins: Aprendi muitas coisas. Entre elas: a oferecer um produto de graça que traz valor para os usuários. Se você consegue oferecer algo de graça que traz algum valor para ele, ele vai voltar e o produto será compartilhado mais rápido.
Começar de um nicho e depois crescer foi outro ensinamento. Ao começarmos de um nicho com a Fusion, depois abrindo para a Canva, nós realmente conseguimos entender os problemas dos nossos consumidores e também conseguimos resolver este problema.Outro ensinamento de extrema importância: aprenda a amar todo tipo de dado. Nós começamos com um teste A/B, até mesmo para testar a nossa visão. Foi importante para a gente usar o tipo correto de dados para cada ocasião, desde o teste A/B, até pesquisas e o “usertesting.com”.
MORSE: Usertesting.com? O que é isso? Como usaram?Melanie Perkins: É um site onde você consegue ver como os usuários utilizam a sua plataforma. A gente fez isso antes mesmo de lançar, num teste Beta. E foi extremamente perspicaz. Percebemos que os usuários tinham medo de clicar muito e que eles usavam o site meio “sem rumo”, não usavam todas as ferramentas, criavam algo bem mediano e deixavam aquilo sem mexer. Ou seja: estava bem longe da experiência criativa e divertida que nós esperávamos que as pessoas tivessem na plataforma. Percebemos que não eram exatamente as ferramentas que faziam com que as pessoas tivessem receio de explorar mais o Canva, mas a própria crença internalizada delas de que elas não entendiam de design.
Por isso, descobrimos uma forma de tornar a experiência e o onboarding mais “gamificado”, exatamente para capturar a emoção das pessoas.
MORSE: O mundo está ficando mais visual, não é à toa que o Facebook comprou o Giphy… Como isso muda o jogo para vocês?Melanie Perkins: Pelo mundo, existe uma tendência forte para a comunicação visual. Nós estamos vendo quase toda indústria precisar de design – pessoas em vendas, que antes criavam cartas, e agora precisam fazer apresentações completamente visuais, jornalistas que agora precisam fazer gráficos para ilustrar suas matérias e profissionais de marketing que devem fazer ilustrações bonitas para as mídias sociais. Até mesmo em escolas vemos a necessidade maior de comunicação visual. O crescimento do Canva nos últimos anos acabou se apoiando nisso.
MORSE: Vocês tem a proposta de integrar as várias ferramentas de design, o que isso significa para o mundo Mobile?Melanie Perkins: A cada década, a indústria editorial passa por uma mudança radical puxada pela tecnologia. Quando a máquina de escrever surgiu, a digitação e a colagem vieram e substituíram completamente a impressão de páginas de metal. Então, quando surgiram os computadores de mesa, a edição de desktop substituiu completamente a composição de texto e colagem. Estamos vendo a mesma mudança acontecendo no momento com a internet, o HTML5, o Mobile e os Tablets, impulsionando a transformação do setor, em que o design editorial eletrônico está nos trazendo para a ‘nova era do design’, onde tudo nasce na web.
Se você olha para o processo de design para a web: você precisa pagar o Adobe, estudar design por alguns anos, encontrar um banco de imagens, fazer downloads de fotos, comprar fontes, comprar layouts, criar a imagem vetorizada usando Photoshop ou Illustrator, receber tudo isso por email, depois você pode, de fato, começar a criar algo com esses elementos. Depois finalizado, você manda em PDF por email para o cliente, talvez usando o Dropbox. Uma vez aprovado, você prepara o design para web. Muitas empresas foram construídas neste ecossistema. Para a Canva, tudo pode ser simples e integrado, com um clique você deve conseguir acessar ao banco de imagem e a biblioteca de fontes. Você deve ser capaz de colaborar online e você deve poder exportar a criação direto para as redes sociais, ou em PDF e PNG. O Canva integra esse ecossistema de design.
MORSE: Muitos veem o Canva como um competidor da Adobe, mas não é exatamente a Adobe que estava na cabeça de vocês quando criaram o Canva, não é? Qual era o programa e que tipo de usuário pensavam?Melanie Perkins: Queremos também entrar na concorrência com o PowerPoint. Vamos melhorar nossas ferramentas para apresentações. Atualmente, a área de criar apresentações é uma das mais usadas no Canva,mas tem espaço para crescer neste mercado. O PowerPoint tem um domínio grande do mercado, mas ele foi criado antes da Web. O Canva, por exemplo, tem ferramentas para se criar uma apresentação de TED Talk. Nós estamos pegando o poder dos produtos da Adobe e colocando ele nas mãos daqueles que estavam usando produtos da Microsoft.
MORSE: Olhar para a Microsoft e para a Adobe também mudou o modelo de negócio de vocês? Como e por que se tornaram “freemium”?Melanie Perkins: Um dos nossos objetivos era fazer o design acessível a todos, e quando falamos todos, falamos todos mesmo, toda e qualquer pessoa, independente de renda e de onde vive no mundo. É por isso que começamos a oferecer parte do produto de graça.
Queríamos ter certeza de que pequenas e micro empresas poderiam acessar a esse mercado.
(…) Existe uma forma diferente de pensar no nosso modelo de negócio [que é ir além do freemium]. No lugar do usuário pagar por um software, ele está pagando pelos ingredientes para o produto final.
MORSE: Você falou um ponto importante aí, que é o de como as pessoas acreditam que não entendem de design. E isso tem a ver com o que muitas outras empresas estão fazendo em outros mercados, como o IFTTT na automação ou a Tableau com a visão de dados. Como o Canva olha para esse tipo de visão de que o setor não pode se abrir para quem não entende dele? Melanie Perkins: Havia um problema em criar design gráfico profissional, bonito, e capaz de engajar quando a empresa ou a pessoa não tinha dinheiro para pagar um software ou passasse anos estudando. E isso precisava ser resolvido. O design não pode ser apenas um conhecimento de nicho, que pode ser feito por poucos selecionados: todas as profissões precisam de design para comunicar as suas mensagens.
O mundo está rapidamente se tornando visual e o design se tornou uma parte mais e mais importante no nosso dia a dia.