Ghost Interview

Brian Acton: do Signal ao WhatsApp!!!!

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Se você foi uma das pessoas que ficou no fogo cruzado do WhatsApp e dos apps de mensagem nos últimos dias, não se sinta só: alguns milhões de usuários pelo mundo enfrentaram o mesmo dilema. Pensando nisso, trouxemos para o centro do Ghost Interview um executivo que, de certa forma, está dos dois lados da “briga”: Brian Acton, cofundador do Signal e do cofundador do WhatsApp.

Ferrenho defensor da criptografia e da privacidade, Acton é conhecido por não ter papas na língua. Em 2016, chamou Tim Cook de herói após a Apple se negar a decodificar um iPhone a pedido do Governo norte-americano. Em 2018, um ano depois de sair do Facebook, ele postou em seu Twitter “Chegou a hora #deletefacebook”, comentário que não só ganhou uma repercussão gigantesca no mercado, como também levou a muitas críticas abertas de executivos do Facebook. Neste Ghost Interview, ele não poupa suas opiniões sobre os aplicativos de mensageria. Falando nisso, se você quer saber mais sobre o ecossistema de aplicativos de mensagem, não perca o “Mundo dos Apps” de hoje, nosso programa de TV semanal, toda quarta-feira às 13:00 no canal 500 da Net / Claro ou online por aqui !


Brian, você entrou no Yahoo em 1998 e trabalhou lá até 2007, inclusive liderando áreas de ads de lá. Tem um ponto da sua jornada entre o Yahoo e o WhatsApp que nos chamou atenção, entretanto, foi isso: é verdade que você se já tinha tentado um posto no Facebook antes e não tinha dado certo?

É uma coisa famosa: eu fiz uma entrevista para o Facebook em 2009, antes de começar a trabalhar no WhatsApp. Em 2009, eu queria voltar para o mercado de trabalho, então conversei com algumas empresas – e o Facebook foi uma delas. Tive uma ótima entrevista, mas naquele momento, o Facebook queria uma coisa e eu queria outra. Não rolou química. As pessoas que me entrevistaram foram muito bacanas – uma delas tinha trabalhado comigo no Yahoo. É uma demonstração de como o Vale do Silício é pequeno, de forma que é bom ter boas relações com todo mundo. Quando voltei ao Facebook, em 2014, eles me receberam com os braços abertos.

(Entrevista ao Estadão em 2 de junho de 2017)

Em 2009 mesmo, o seu colega de Yahoo!, Jan Koun, te chamou para fazer parte do projeto do WhatsApp. Logo depois vocês já lançaram o aplicativo, tendo como foco, em primeiro lugar, ser um espaço para os usuários falarem se podem ou não receber mensagens no momento. Depois, vocês migraram para se tornar um substituto do SMS, mas a opção que fizeram foi diferente do que estávamos acostumados no Vale do Silício, vocês foram para o mercado internacional e cresceram por lá, como foi essa trajetória?

No começo de 2010, nós lançamos a nossa primeira versão local do WhatsApp para iPhone. E ele incluía o app traduzido para alemão e para espanhol. Sentimos desde o início que nosso produto deveria ser um que qualquer pessoa pudesse usar, não importando onde estivesse no mundo, e incorporar texto localizado era uma abordagem óbvia para essa estratégia. Descobrimos que cada vez que adicionamos um novo idioma – ou uma nova plataforma de telefone, se quer saber – abrimos as portas para mais usuários. Hoje, oferecemos suporte a mais de 50 idiomas localizados em todo o mundo.

Em geral, trabalhamos com operadoras de internet sem fio que entendiam que os serviços de dados móveis que forneciam seriam o futuro e que desejavam criar mais uso de dados – e clientes! – dentro de sua rede. O WhatsApp foi um ótimo aplicativo trampolim para esse efeito. Construir nossos negócios de forma que haja uma “win/win/win” – para nossos usuários, as operadoras e o WhatsApp – foi a melhor maneira de lançar e ganhar esses relacionamentos. Obviamente, cada operadora é única e falar com cada operadora individualmente é demorado. Isso torna o processo mais difícil do que deveria ser.

(Entrevista à Wired em 26 de outubro de 2015)

Foi só em 2013, depois que o WhatsApp já tinha um pouco mais de 400 milhões de usuários, que houve o esforço para criptografar as mensagens, com a mesma tecnologia que o FBI usa para criptografar as suas mensagens. Por que esse esforço, Brian?

O esforço foi meu num primeiro momento. Porque eu não queria estar num negócio que observa conversas de outros. Sem contar que havia uma pressão dos nossos usuários, principalmente os de fora dos Estados Unidos, pedindo que as mensagens fossem criptografadas e seguras.

(Entrevista à reportagem da Wired em 5 de abril de 2016)

A criptografia completa terminou em 2016, quando vocês já haviam sido vendidos para o Facebook (em uma das maiores operações da época, quase US$ 20 bilhões). Estar no FB também permitiu que, entre outros pontos, o WhatsApp tivesse infraestrutura para oferecer vídeochamadas e mensagens em grupo. Mas houve um momento que o relacionamento com a “empresa-mãe” começou a dar errado, conta para gente o que rolou para motivar a sua saída em 2017.

O acordo para a compra do WhatsApp aconteceu bem corrido, não tivemos tempo de analisar as cláusulas, principalmente as da monetização. Nas discussões, era apenas eu e o Jan falando que não queríamos colocar ads no produto. Lembro que Zuckerberg tinha aprovado nossa ideia de criptografia de ponta a ponta, mesmo que isso significasse que eles captariam menos dados. Mas acredito que ele não estava avaliando as ramificações dessa opção no longo prazo.

(…)

O Facebook decidiu buscar maneiras de ganhar dinheiro com o WhatsApp. Uma delas foi exibindo anúncios direcionados no novo recurso Status do WhatsApp, o que rompia um pacto social com seus usuários. A publicidade direcionada é o que me deixa infeliz.

(…)

Embora eles não pretendessem quebrar a criptografia, eles chegaram a questionar e “sondar” maneiras de oferecer às empresas informações analíticas sobre usuários do WhatsApp em um ambiente criptografado.

Eu propus monetizar de uma maneira diferente, por meio de um modelo de medição do usuário, cobrando, digamos, um décimo de centavo de dólar depois que certo número grande de mensagens gratuitas tiver sido consumido. Você desenvolve uma vez, e isso funciona em todos as partes de todos os países. Não é necessária uma força de vendas complexa.

Uma grande executiva lá negou a minha proposta, falando que não ia escalar.

Eu respondi que, eles sabiam que o problema não era escala, mas que era uma proposta que não levantaria tanto dinheiro quanto as alternativas. Eles são pessoas de negócio, e boas pessoas de negócio. Eles representam apenas um grupo de práticas de negócios, de ética e de políticas que eu não concordo.

(…)

Fui instruído a explicar [à Comissão Europeia, em novembro de 2014] que seria muito difícil fundir ou combinar dados entre os dois sistemas.

Depois, descobri que havia planos internos para combinar os dados de ambos os aplicativos [Facebook e WhatsApp]. Eles tentaram mudar a política de dados do WhatsApp em 2016, mas acabaram tendo que voltar por causa da Comissão Europeia. Mas a partir daí, houve pressão para vinculação das contas do WhatsApp ao Facebook.

(…)

No final das contas, eu vendi a minha empresa. Sou um traidor. Reconheço isso.

Eu vendi a privacidade dos meus usuários em prol de um benefício maior. Fiz uma escolha e uma concessão. E convivo com isso todos os dias.

(Entrevista em reportagem da revista Forbes em 26 de setembro de 2019 – editada para dar clareza)

Uou, isso é forte! Você tocou no ponto da monetização, e, de fato, vocês começaram como um aplicativo pago.

Sim! Nosso modelo de negócio era baseado numa taxa de 99 centavos de dólar por ano. Não era um dinheiro extraordinário, mas se você tivesse um bilhão de usuários, poderíamos chegar a uma receita de US$ 1 bilhão por ano. O problema é que um bilhão de dólares por ano não é o bastante para o Google e para o Facebook. Eles querem receitas multibilionárias.

(Apresentação feita a estudantes na Universidade de Stanford, reportada pelo BuzzFeed News em 13 de março de 2019)

Logo depois que você saiu do WhatsApp, você criou a Signal Foundation, organização que foca em criar tecnologia de privacidade em open-source. Como ela começou ?

Conheci o Moxie Marlinspike [o cofundador da Signal e do app] em 2013, ele foi um dos que me incentivou a incorporar a criptografia de ponta a ponta no WhatsApp. No final, o Moxie se envolveu bastante em todo o processo de parceria para a gente colocar esse sistema no ar. E foi um sucesso. Acabamos criando esse projeto depois, pensando em todas as discussões que tivemos para manter a criptografia no WhatsApp.

(…)

De maneira geral, eu percebi que [eu e Moxie] queremos estar num negócio de não saber nada sobre as pessoas que usam o nosso produto e não queremos ter o poder de policiar os usuários do nosso produto.

(Apresentação na conferência Wired 25, publicada pela Wired em 11 de agosto de 2019)

Falando do app em si, qual a diferença dos primeiros anos criando o Signal dos primeiros anos montando o WhatsApp?

Bem, nos primeiros dias do WhatsApp, nem todo mundo tinha um smartphone. Portanto, havia um acelerador natural para que você fosse até a loja de telefones. Você compraria um smartphone e depois instalaria o WhatsApp. Nos cinco ou oito anos seguintes, as pessoas compraram mais e mais smartphones, e o WhatsApp acabou crescendo para mais de um bilhão de usuários. Haviam catalisadores naturais. No mundo de hoje, todo mundo já tem um smartphone, provavelmente o segundo, o terceiro ou o quarto. E você está em uma posição em que as pessoas podem experimentar seu aplicativo a qualquer momento.

Em 2010, eram cinco ou seis plataformas de telefone. Agora são duas, iPhone e Android. Não existem plataformas Windows ou Nokia ou BlackBerry. Eles foram embora. Então, é um mundo diferente. Para nós, são níveis de crescimento sem precedentes. Somos o número um em 40 países no iPhone, em 18 países no Android. Estou aqui para garantir que conquistemos esses usuários e os mantenhamos. Eu quero construir um produto encantador que proteja a privacidade das pessoas, que garanta que elas entendam como seus dados estão sendo usados ​​e se há algum dado a ser usado.

(Entrevista à Forbes India em 13 de janeiro de 2021)

Agora, em termos que a gente consiga entender: o que diferencia o Signal do WhatsApp?

Não temos dados, temos o seu número de telefone. Mas todo o resto é criptografado. Não podemos dizer como você é. Não temos sua foto de perfil. Não podemos ver suas mensagens. Não podemos olhar para seus grupos. Não podemos olhar para nada. Ninguém mais pode dar essa garantia. A privacidade é algo que ninguém pensa e que se torna importante quando a pessoa precisa dela.

(Entrevista à Forbes India em 13 de janeiro de 2021)

Criptografia por criptografia, o WhatsApp também tem…

Temos features de privacidade, como a possibilidade de você mandar uma mensagem com um tempo certo para desaparecer. Tudo é criptografado, incluindo os nossos metadados [dados de uso do aplicativo, como para quais contatos você mais manda mensagem e coisas desse tipo, dados esses que não são criptografados no WhatsApp].

(Entrevista ao site Gadgets 360 em 13 de janeiro de 2021)

E o que tem a dizer sobre o Telegram?

O Telegram é um bicho diferente. Um tipo diferente de organização.

Certamente estamos cientes do Telegram, certamente conhecemos todos os mensageiros que estão por aí. Acho que todos olhamos por cima dos ombros uns dos outros e vemos o que há de bom e de ruim neles.

Acho que o Telegram não foi muito claro em termos de quais serão suas estratégias de monetização. Eles experimentaram a criptomoeda parecida com a Bitcoin, mas então tiveram que recuar nessa ideia. Recentemente, ouvimos sobre outras incursões em publicidade potencial. Acho que o Telegram ainda não descobriu seu modelo de negócios sustentável.

Afinal, o Telegram é um negócio, assim como o WhatsApp é um negócio ou qualquer outro produto de aplicativo de mensagem. Portanto, acho que há um pouco mais de incerteza. De qualquer forma, tanto Telegram quanto o WhatsApp merecem um elogio: criaram um ambiente realmente competitivo.

(Entrevista à CNBC indiana CNBC TV 18, em 13 de janeiro de 2021)

O Signal, por exemplo, não tem a feature web para a interface e faltam a ele algumas capacidades de se criar grupo de conversas, principalmente grupos de marcas. Isso não atrapalha o crescimento do app?

Eu acredito que os aplicativos podem coexistir, vejo o público optando pelo Signal para falar com familiares e amigos mais próximos, e seguindo com o WhatsApp para conversas em grupo e chats maiores. Não tenho vontade de fazer todas as coisas que o WhatsApp faz. Meu desejo é dar às pessoas uma escolha. Caso contrário, você está preso em algo onde não tem escolha. os aplicativos de mensagem não precisam ser um cenário de “o vencedor leva tudo ”

(Entrevista ao TechCrunch em 13 de janeiro de 2021)

Mesmo sem querer disputar com o WhatsApp, o Signal acabou crescendo bastante depois que o Whats anunciou as mudanças das regras de política de privacidade no começo do ano (e depois que o Elon Musk indicou vocês no Twitter!). Você já comentou que achou essas novas políticas “complexas” e que dão muita brecha para o uso de dados de outra forma, como o público está vendo tais mudanças?

Não posso negar o fato de que as mudanças na política do WhatsApp obrigaram as pessoas a pensar sobre a privacidade de dados com mais seriedade, levando-as ao Signal. O mundo inteiro parece perceber que o Facebook não está criando aplicativos para os usuários, o Facebook está criando aplicativos para captar os seus dados. E bastou essa mudança de política sendo enviada para mobilizar todos ao redor do mundo para fazer uma mudança para a privacidade.

As pessoas estão percebendo que a privacidade de que desfrutam em sua vida offline só pode ser encontrada online em aplicativos muito focados na privacidade, como o Signal.

(Entrevista ao Money Control em 19 de janeiro de 2021)

No momento, você está nadando contra a maré e indo contra o mercado – que é composto por gente que você conhece e por lugares que já trabalhou, como se sente?!

De certa forma, eu sou o Davi contra o Golias que eu mesmo criei. Acho que defendo meus princípios ao máximo, tendo estado no setor e vendo como o setor se desenvolveu em torno da publicidade e do rastreamento de comportamento e do usuário, estou aqui para firmar meus princípios e apresentar alternativas. Não vou apenas dizer que o mundo deveria ser um lugar diferente. Na verdade, vou tentar construir um mundo melhor e é por isso que acordo todas as manhãs. É por isso que vou para o trabalho todas as manhãs e é por isso que não fico na praia tomando coquetéis.

(Entrevista à Forbes India em 13 de janeiro de 2021)

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